Debaixo dos caracóis dos seus cabelos. Que tentação, minha morena me beijando feito abelha. Você é linda. Mais que demais. Você é linda sim. Minha mina preciosa, meu império. Feliz de quem penetre o teu mistério. Onde está você agora? Love, love, love. Caetano Veloso vive imerso num universo onde as palavras, mesmo que embaralhadas aleatoriamente no meio de tantas obras-primas da sua discografia, quando se unem, se tornam versos perfeitos. Por isso, é sempre bom: caetanear para parabenizar o artista baiano neste domingo (7) pelos seus 80 anos de vida e pela rica contribuição para a música brasileira.Nascido em Santo Amaro da Purificação, pequena cidade do recôncavo baiano, Caetano Emanuel Vianna Telles Velloso, quinto filho de José Telles Velloso e Claudionor Vianna Telles Velloso, conhecida como Dona Canô, celebra a data do jeito que mais gosta: ao lado da família e no palco com os filhos Moreno, Zeca e Tom, e com sua irmã Maria Bethânia. O show será na Cidade das Artes, no Rio de Janeiro, para o Especial Caetano Veloso 80 Anos, com transmissão ao vivo e simultânea no Globoplay, para não assinantes logados, e no canal por assinatura Multishow, a partir das 20h30, com apresentação da cantora Iza.O especial deve aumentar ainda mais a ansiedade dos fãs goianos para o show de Caetano Veloso em Goiânia no dia 20 de agosto, no Centro de Convenções da PUC Goiás, a partir das 21 horas. A apresentação faz parte da turnê do disco de inéditas Meu Coco (2021), que o cantor e compositor começou a rodar o Brasil em abril. No repertório, ele passeia por várias fases da trajetória, fazendo uma espécie de revisão da obra, com hinos como Cajuína, Leãozinho, Lua de São Jorge, Menino do Rio, Odara e Reconvexo. Além de mandar o seu recado, na faixa Não Vou Deixar, que expressa bem a sua visão sobre o momento atual do País.“Não vou deixar, não vou deixar, não vou deixar, não vou deixar que se desminta. A nossa gana, a nossa fama de bacana, o nosso drama, nossa pinta. Não vou deixar, não vou deixar, não vou deixar, porque eu sei cantar. E sei de alguns que sabem mais, muito mais. Apesar de você dizer que acabou, que o sonho não tem mais cor, eu grito e repito: Eu não vou”, protesto em forma de poesia para os artistas que preferem não se posicionar e se silenciam em meio às pautas sociais e políticas, ou assuntos que estão sendo debatidos nos últimos anos. Sem Samba não Dá, Anjos Tronchos e Você Você também são destaques do registro.LendaExiste uma música brasileira antes de Caetano e outra depois de Caetano. Quando o artista apareceu no cenário na metade da década de 1960, rapidamente ele propôs uma ruptura no cenário musical e o modo de se apresentar e compor músicas. A Tropicália, que atingiu outras esferas culturais, como artes visuais, cinema e literatura, representou essa renovação ao fundir gêneros como o baião, o caipira, o pop e o rock. Essas experimentações deram cara ao LP Tropicália ou Panis et Circencis, em 1968, com a participação dos representantes do movimento: além dele, Gilberto Gil, Gal Costa, Os Mutantes e Tom Zé.Diante do endurecimento do regime militar no Brasil, o baiano compôs os hinos É Proibido Proibir, desclassificado durante a realização do 3ª Festival Internacional da Canção, e Alegria, Alegria, que defendia a liberdade em tempos sombrios. Admirado, odiado, amado, aplaudido ou vaiado, Caetano nunca se calou. E pagou o preço por conta disso nos anos de chumbo. Com letras que incomodaram o regime militar, ao lado do amigo Gilberto Gil, acabou sendo preso e exilado. Eles foram julgados como subversivos porque suas músicas foram consideradas libertárias. Foi preso e, em seguida, convidado a se retirar do País para o exílio.Em Londres, lançou o álbum London London, que o artista considera o “registro da depressão” por conta da saudade que sentia da sua terra. Um ano depois, ainda na terra da rainha, lançou um dos discos mais celebrados da carreira, Transa, em que ele captou a efervescência roqueira do universo pop com referências da sua Bahia. Sob a direção musical do carioca Jards Macalé, Caetano mesclou faixas em português e inglês no álbum em que falava do exílio, da saudade, integrou guitarras elétricas, algo raro na época no trabalho de artistas brasileiros, bebeu do reggae, tinha influência dos Beatles e elementos da música afro.Mesmo de longe, sua obra nunca deixou de reverberar aqui. Depois de dois anos do retiro londrino, ele gravou Temporada de Verão em que dividiu faixas com Gil e Gal Costa. Em 1979, no festival da TV Tupi, apresentou-se com a canção Dona Culpa Ficou Solteira, de Jorge Ben, onde foi vaiado e desclassificado. A resposta era sempre na música. No período, enfileirou clássicos como A Tua Presença Morena, Tigresa e Cajuína. Nos anos 1980 lançou Totalmente Demais, que vendeu mais de 250 mil cópias, e Outras Palavras, que rendeu o primeiro disco de ouro da carreira. Mais tarde, colecionou prêmios, aproximou-se da nova geração e ficou eterno.Uma voz poderosaDesde que surgiu no cenário da música nacional, Caetano Veloso nunca deixou de ser uma voz ouvida, seja na política, na cultura ou no comportamento. Em 2018, ele escreveu um artigo para o jornal norte-americano The New York Times batizado de Tempos Sombrios se Avizinham Para Meu País. Na publicação, ele fez um alerta para o que chamou de "uma onda de medo e ódio", caso o então candidato Jair Bolsonaro (PSL) fosse eleito presidente. Um ano antes, ele encabeçou o movimento de artistas que denunciaram a tentativa de censura e difamação nas artes e a onda de intolerância que tomou conta do Brasil, em especial nas redes sociais. Também nunca deixou de cobrar justiça, como no assassinato da vereadora Marielle Franco, em 2018.Caetano por aqui A última apresentação de Caetano Veloso em Goiânia foi em março de 2019 na abertura da temporada do Flamboyant In Concert. O cantor fez um show com grandes sucessos da carreira numa mistura da turnê Ofertório, com a qual estava rodando o Brasil e o exterior ao lado dos três filhos, Tom, Zeca e Moreno. Já o elogiado Abraçaço, lançado em 2012, por exemplo, passou duas vezes pela capital. A primeira foi em 2013, no Palácio da Música, no Centro Cultural Oscar Niemeyer (CCON), quando ele pediu à organização do evento para arrumar um espaço maior para o público dançar. Em 2015, ele retornou para a abertura do Festival Bananada. Outra passagem foi na cidade de Goiás, em 2012, quando o cantor e compositor foi a grande estrela da 14ª edição do Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica).