A força da voz de MC Kaemy rasga o verbo nas batalhas de freestyle de Goiânia, impondo presença em um ambiente marcado pelo grito masculino. Aos 29 anos e campeã brasileira do Duelo Nacional de MCs, a artista levou sua trajetória das batalhas de rua para palcos como o do The Town Festival 2025, em São Paulo. A goiana também atua como uma das colaboradoras dos projetos sociais e artísticos do Vera Cult, ponto de cultura localizado no Conjunto Vera Cruz. Natural de Uruaçu, a 280 km da capital, a artista é uma das maiores apostas femininas da cena nacional de MCs. Tricampeã estadual de freestyle, Kaemy é Kamila Medo, que desde os 12 anos mergulha de cabeça no universo das batalhas e das rimas. A goiana começou experimentando pela internet — gravando vídeos, postando no YouTube, participando de programas on-line — e se firmou no cenário nacional após se tornar campeã, sendo a única mulher a levar o título para casa. “A internet ajudou muito no início porque abriu um horizonte de possibilidades para mim, que morava no interior de Goiás. Por lá, não existe uma cena ou um movimento de freestyle. Resolvi adentrar mesmo após ganhar uma batalha em Brasília”, conta a artista. Nas plataformas de streaming, Kaemy tem canções disponíveis, como Ritmo de Corre, Fuck Hype e Nacional Sessions, esta última em parceria com Família de Rua e Alice Gorete. Um dos momentos mais importantes da carreira da goiana foi no início do mês, durante o The Town 2025, quando se apresentou em um dos espaços do evento realizado no Autódromo de Interlagos, na capital paulista. Capitã do time Favera Freestyle, Kaemy representou Goiás na Superliga do festival dentro do Palco Quebrada, uma das novidades da edição deste ano dedicada ao rap, ao freestyle e às batalhas de MC’s. O projeto reuniu profissionais de diversos estados.“Foi uma experiência única. Com certeza foi o maior evento que eu já estive e pude ter contato com profissionais e artistas de todo o mundo. De quebra, ainda assisti a shows de João Gomes, Iza e Belo. Não ganhei a batalha, mas a festa foi garantida”, brinca a MC. Nas redes sociais, por exemplo, Kaemy tem mais de 50 mil seguidores no Instagram (@kaemynem) e posta os bastidores das batalhas, suas inspirações e outros detalhes de seu cotidiano em Goiânia e nas viagens que faz. Em um cenário dominado majoritariamente por homens, a presença da goiana tem um peso simbólico e prático muito forte. Ela foi a única mulher no Duelo de MCs Nacional, de 2023, que aconteceu em Belo Horizonte (MG), e ainda assim conseguiu ultrapassar adversários considerados favoritos, muitos vindos de estados com cenas mais consolidadas, como São Paulo e Rio de Janeiro. Sua vitória não foi só pessoal: reverberou como um marco para mulheres que batalham por espaço nos duelos de rima, um ambiente que historicamente teve barreiras de reconhecimento, suporte e respeito. Kaemy fala abertamente sobre essa responsabilidade — de representar não só seu estado, mas também a comunidade feminina nas batalhas — e de como parte do seu trabalho, além de rimar bem, é o mesmo que abrir caminho para que outras garotas possam se sentir convocadas e seguras para entrar, competir e vencer. “Eu vejo como mais um obstáculo para ser vencido, assim como é também um obstáculo ser uma artista independente goiana. Não vou me deixar abater”, reitera. Vera Cult A MC mora pouco mais de 1 em Goiânia, mas já está inserida há algum tempo nos projetos culturais e sociais do espaço Vera Cult, ponto de cultura do Conjunto Vera Cruz. A instituição segue ampliando a atuação como polo de formação, produção e difusão artística. Atualmente, o local desenvolve uma série de iniciativas que fortalecem tanto a cultura local quanto a conexão com redes nacionais e internacionais.Kaemy é artista residente do projeto Rua Mix 360, que une ocupação urbana e música, além de ser capitã do time de MC’s Favera Freestyle, que conta com membros de Goiás, São Paulo e Pernambuco. “Trata-se de um projeto de profissionalização de artistas independentes do rap em Goiás. Há gravação de músicas no Vera Cult, além de workshops e capacitações. Também gravamos clipes feitos lá mesmo pela produtora audiovisual do Vera Cult”, comenta. O projeto Rua Mix 260 engloba desde formação artística, passando por capacitações em direitos autorais e comunicação, até ações de produção e difusão, com intercâmbios que já conectam artistas locais à cena nacional e internacional do gênero. O Vera Cult também é a sede do Favera Freestyle citado por Kaemy, primeiro time de MCs de Goiás. “O grupo vem se consolidando como referência no freestyle nacional, ampliando a visibilidade dos artistas da periferia goiana e promovendo intercâmbios entre diferentes territórios culturais do País. Mais do que isso, é importante mostrar que existe uma cena de freestyle que pulsa forte em Goiânia”, completa a profissional.