Vem comigo, leitor, apesar desse título que relutei em estampar porque bem sei que de dor todos sabemos e tentamos fugir. Uma dor que não tem nome só pode ser a pior delas, sem bordas nem limites, impossível de recobrir com palavras e símbolos, uma dor além de toda e qualquer compreensão. Mas uma dor que se sente, como o amor, mesmo sem poder alcançar a sua mais completa tradução.Como já mencionei o amor, adianto que ao saber dessa dor indizível, o efeito imediato foi consternação, tentativa impossível de plena empatia, porque quem falava poderia cantar com o poeta: “A dor é minha só/ não é de mais ninguém”. Fiquei comovida, deslocada, tocada pela tristeza. Mas não demorou e fui tomada por intenso ímpeto amoroso, uma disposição de amar sem medida nem exigência, apenas em profunda doação e comunhão.Compartilho, então, essa possibilidade de me aprimorar apenas com a escuta interessada, que se pretendia generosa na atenção e tempo entregues a uma pessoa quase desconhecida, e que descortinou perspectiva melhor de entrega à vida.Diante de uma dor que não tem nome, qual a dimensão, o significado, de picuinhas e carências que inventamos para nos distrair do impacto real de estarmos expostos a riscos, perigos, perdas, à morte que pode aguardar numa curva do caminho onde se passava sem noção do fim iminente?Aguardava sentada na sala de espera quase vazia de uma clínica, conferindo mensagens no celular, o que nos exila da cena presente, quando uma esguia senhora veio ocupar a cadeira bem ao lado da minha. Sorri, disse bom dia e já ia mergulhar de novo no universo virtual de atrações instantâneas, quando ela disse assim: Estou numa vontade de bater perna...Olhei a figura feminina delicada, mais velha que eu - depois me contou que já tinha mais de 80 anos -, e respondi matreira: Vá bater perna, uai... até sugeri passeio em shopping próximo de onde estávamos. Ela riu e disse que não se arriscava, porque a filha mantinha vigilância constante. É da polícia, explicou, o que me fez rir e brincar que, nesse caso, eu preferia não ser cúmplice da falcatrua.Foi quanto bastou para que se instaurasse confiança para desabafo sincero. Começou pela descrição do torpor que a dominou depois de ver outra filha, vítima de grave acidente. “Não tive qualquer reação, fiquei apenas quieta, só consegui chorar mais de dez horas depois.” A filha desfigurada e morta. Torpor, me explicou, descobriu depois que foi isso, torpor. Como se ficasse anestesiada, emendei. Concordou.Mencionou que passou a ler, estudar, procurar entender na troca com outros que passaram por situação extrema semelhante, e se deparou com livro intitulado A Dor que Não Tem Nome, escrito por uma mãe após morte prematura do filho.Quando ocorreu a tragédia? Não era recente, quase 30 anos atrás a jovem linda cuja foto vi se foi para sempre. E hoje, como é? “Fiquei mais e mais impregnada dela, ela está em mim, comigo, o tempo todo falo com ela, tenho certeza de que vamos estar juntas quando eu também me for.”Ficamos em silêncio até minha filha chegar, de órteses, amparada pelo andador, sorridente. Lembrei de quantas vezes chorei, lastimei, me revoltei nas sessões de terapia por não aceitar que minha menina tivesse que enfrentar tantas dificuldades, tanta luta. Por quê? Por quê? Até que um dia, a analista encerrou nosso encontro com o seguinte corte: já pensou que ela está viva?Como disse e enfatizo, a dor que não tem nome me alertou para a urgência de amar. Amar apenas, sem mistificação.