Eu sempre me interessei pelas pessoas. Desde pequena, gostava de ouvi-las, saber sobre suas vidas, seus sentimentos, problemas e superações. Durante muito tempo, isso foi considerado um defeito. “Você fica perdendo seu tempo, escutando os problemas alheios. Deixe de ser boba! Depois que eles desabafam, vão embora e te largam falando sozinha”, era o que eu mais ouvia.Uma vez chegaram, inclusive, a sugerir que eu pendurasse uma placa no pescoço, com a mensagem “conte sua vida, chore suas lágrimas”. Achei engraçado, mas não mudei. E é justamente por prestar tanta atenção ao que me cerca, que decidi escrever crônicas. O que eu percebia do mundo não cabia em mim. Essa percepção foi fazendo sentido para outras pessoas, e assim me tornei cronista deste jornal.Minha casa na infância e na juventude não era um reduto de paz. Ao contrário, meus pais brigavam praticamente todos os dias – brigas acaloradas, daquelas que a gente ouvia a muitos metros de distância. Eu morria de vergonha e não levava ninguém até lá. Também tinha inveja das amigas que viviam em lares pacificados, com pai e mãe que conversavam baixinho e de forma respeitosa. Viver em meio ao caos me fez desenvolver a capacidade de não perder a serenidade, mesmo quando tudo parece desabar. Enquanto todos se apavoram, consigo manter o sangue frio e pensar estrategicamente em como agir. De tanto exercitar essa habilidade, acabei me tornando gestora de crises de imagem. Nos piores cenários, lá estou eu juntando os cacos reputacionais dos clientes e ajudando a colar. Quando eu era pequena, odiava meu cabelo cacheado. Queria que ele fosse liso, como eram os cabelos das minhas amigas. Meus pais também não aceitavam os fios enrolados. Com 2 anos de idade, meu pai me levou para fazer uma escova no salão. Aos 4, me levou a uma loja de perucas. Aos 8, minha mãe fez meu primeiro alisamento – que viria seguido de vários outros, nas décadas seguintes.Em 2023, assumi meus cachos. Cansada de forçar meus fios a serem o que não eram, eu os libertei – e a mim, por consequência. Ontem, a irmã de uma amiga me mandou uma mensagem pelo Instagram. “Assisti a um vídeo seu dando treinamento para as altas lideranças de uma grande empresa. Você estava tão bonita e segura com seu cabelo cacheado, que me inspirou a fazer a transição também”, disse ela. Em frente ao meu prédio há um jardim, cheio de arbustos e flores. Passando perto das plantas, na semana passada, vi que uma lagarta havia se fixado em um dos galhos. Imaginei que fosse se fechar em seu casulo e, por alguns dias, observei o processo. Ela tinha vários espasmos, parecia se debater de dor dentro daquela casca apertada. Até que o casulo se rompeu e deu origem a uma linda borboleta.Também perto da minha casa tem um ipê. Alto, de grande porte, estava completamente pelado há poucos dias. Sem folhas, exibia apenas os galhos secos. Trata-se de uma estratégia de sobrevivência e reprodução da árvore, que se despe da folhagem para minimizar a perda de água e concentrar energia na floração, que atrai polinizadores, garantindo a dispersão da espécie.Graças a sua habilidade de sobreviver em meio à estiagem, o ipê, antes desprezado, tornou-se a grande atração da rua. Primeiro, floresceu exuberante, fazendo com que pedestres e motoristas parassem perto dele para fazer fotos, ou simplesmente apreciar sua beleza. Agora que as folhas caíram, formou-se um imenso tapete amarelo no chão, que também chama a atenção de quem gosta de contemplar o que é belo.É engraçado como nossa maior fraqueza, pode se transformar em nossa maior força. As árvores, as borboletas e as pessoas guardam em si a capacidade de florescer, mesmo quando tudo ao redor é aridez. Dos casulos dolorosos que nos aprisionam e impedem de caminhar, aprendemos a criar asas e voar bem alto. Quando a vida nos dobra, é ali que germina a semente da nossa potência.