Todo mundo já deu um fora, pagou um mico, deu uma rata na vida. Ninguém escapa de haver tido um vacilo em algum momento. Alguns são inesquecíveis e sentimos vergonha só de lembrá-los, décadas depois.Tirando algumas vezes em que - querendo ser simpática e puxar assunto - perguntei para mulheres cheinhas “para quando era o bebê”, morrendo de embaraço quando elas respondiam que não estavam grávidas, duas ocasiões em que dei foras homéricos até hoje me fazem querer abrir um buraco no chão e sumir.Um deles foi assim: eu havia chegado na casa da família americana com quem moraria por um ano inteiro de agonia e saudade de meu namorado e de meus amigos aqui no Brasil, e depois de poucos dias já colecionava uma série de estranhamentos com relação aos hábitos de meus anfitriões. Um deles era o almoço, que eu achava extremamente frugal. Acostumada, aqui no Brasil, a comer pouco no café da manhã, em que mal engolia uma xícara de café com leite e um pedaço de pão com manteiga e saía correndo pra escola, eu não conseguia comer aqueles bacons com ovos, suco de laranja ou de tomate deles de manhã cedo. Meu inglês era pífio e, mesmo que soubesse falar bem, eu não teria coragem de expressar nada nesse sentido. Na hora do almoço me dava aquela bruta fome atávica de adolescente subnutrida, mas tinha de me contentar em comer um sanduíche de pão branco com queijo e um copo de leite frio. Mano, era muito difícil.Vale dizer que a gente chegava na casa de nossa “família americana” mais ou menos um mês antes das aulas começarem. A intenção era que fôssemos nos aclimatando, nos entendendo com as pessoas e os costumes lá deles. Se as aulas já tivessem começado, eu poderia comer o almoço da escola, que tinha várias opções, e onde eu tinha licença do programa da bolsa de estudos para comer bastante (inclusive praticamente sustentei de almoço o ano todo um colega meu que era meio duro), mas na casa da família hospedeira eu tinha de seguir as regras, e uma delas era que a refeição era farta no café da manhã e bem fraca no almoço.Num dia desses de fome, à tarde, resolvi arriscar e descer sorrateira até a cozinha para arrumar alguma coisa de comer sem que eles percebessem. Havia uma fruteira cheia de maçãs grandes e verdes na bancada. Agarrei uma correndo e subi feito doida pro meu quarto. Mordi a bendita e senti um gosto azedo, muito ruim. Não dei conta de continuar comendo e joguei a maçã no vaso, dando descarga em seguida (depois descobri que essas maçãs eram de cozinhar).Minha barriga doía de fome, mas aguentei firme até a hora do jantar, que era bem servido, até gostoso, muitas vezes com rosbife, purê de batata, muita salada. Eles comiam muito bem no jantar e era o que me salvava da desnutrição. Sempre havia também torta de frutas com uma bola de sorvete por cima para sobremesa, um luxo.No dia seguinte à maçã verde, minha “irmã” americana me levou para ver as lojas, conhecer o Centro, sentir a cidade. Passamos um tempão passeando, e quando voltamos e eu adentrei meu quarto, a primeira coisa que eu vi foi um homem no banheiro, agachado, trabalhando, desentupindo o vaso que tinha entupido por causa da maçã.Eu gelei de vergonha, não sabia onde eu punha a cara. E pra piorar meu vexame, o “pai americano”, que era metido a engraçadinho, perguntou, na hora da janta, “o que vai ser a sobremesa, apple?”Quando ele fez essa gracinha, eu me levantei da mesa e fui pro quarto chorar de saudade de casa e de raiva.Mais tarde naquele mesmo dia, o “pai” me pediu desculpas. Eu não disse nada, só fiquei com a cara bem fechada. Depois de um tempo eu já tinha me habituado com o ritmo deles e ficou tudo bem. Quer dizer, sobrevivi.Pensei que fosse dar para contar o outro caso, mas o espaço acabou. Outro dia eu conto. E aproveito as linhas que ainda me restam para afirmar meu apoio às mulheres nessas eleições e minha torcida para que Kamala Harris consiga derrotar aquele desvairado lá de cima.Saravá.