Enquanto digito, um odor nauseabundo me arranha a mucosa nasal. Se respiro fundo, um espasmo muscular involuntário interrompe a aspiração na altura do palato, num movimento instintivo de autodefesa do corpo. Levanto do computador, ando pelos cômodos e lembranças longínquas ressurgem. O apartamento inteiro fede como uma balada dos anos 1990. Cinzeiros posicionados perto da janela, transbordantes de bitucas, algumas circundadas por um halo de batom, denunciam a insuficiência do esforço dos fumantes para poupar os demais da podridão que os acalma. Não há nariz são que consiga cruzar indiferente aquele vale de cinzas adormecidas. Uma constatação torna ainda mais assombrosos os escombros desse ritual de suicídio homeopático e coletivo: meu filho recebera amigos na noite anterior. É gente na curva dos 20 anos que, voluntariamente, gasta uma grana que não têm para semear câncer e pestear tudo ao redor. Quando foi que o que era mortal e patético voltou a ser cool?