Yaquin Bernstein, judeu português, mais conhecido por Quincas Deixestar, estabeleceu-se em Mundocaia. Mesmo sem dinheiro próprio, mantinha uma banca de agiotagem bem-sucedida. Pegava dinheiro a juros menores e majorava para emprestar a tomadores. Exemplo: enquanto os bancos pagavam a investidores 1% ao mês, ele pagava três e emprestava a cinco. Não deixava de exigir fiadores ou avalistas, mesmo por empréstimos de pequena monta. Para valores maiores, o tomador deixava um bem como garantia. Carro, lote, casa ou até fazenda. Já pelos investimentos, era na confiança, sem penhora.Os bancos estabelecidos tinham ojeriza de Quincas. Espalhavam, pela cidade, o boato de que ele chegou corrido a Mundocaia. Por cidades em que passou, teria assassinado sete. Pessoas que lhe tomaram emprestado sem pagar. Sempre que alguém tocava no assunto, Quincas fazia-se de esquerdo e dizia que sete é conta de mentiroso e nunca matou uma mosca. As pessoas não tinham motivos para duvidar que ele fosse uma pessoa de bem. Pagava corretamente os investidores, cobrava, com mansidão, mesmo o devedor mais avesso a saldar as contas.A par da calmaria, à hora crepuscular do domingo, o planger dos sinos foi perturbado por uma rajada de tiros, lá para as bandas da Praça dos Trogloditas. Em minutos, a cidade inteira sabia que Yaquin fora assassinado, com sete tiros, à queima-bucha. Logo por sete, que ele dizia ser número de mentiroso. Os atualizadores informacionais davam conta de que a ordem assassina partiu da associação local, dos sete bancos, e que o criminoso era um afamado matador de aluguel, egresso do Brejo das Almas, e que para lá regressou, logo após a consumação do ato.Houve comoção, como se a cidade estivesse carente de fatos para se comover. Velório tumultuado, muito berro e gente lacrimosa. Os devedores choravam ao saber, por parte de alguém da esposa, que as dívidas estavam devidamente registradas numa agenda. Outra parte, a dos investidores, também soube que não havia nenhuma anotação, que comprovasse o crédito, nas coisas de Quincas. Na hora combinada, o pessoal da Pax enterrou Quincas no cemitério da cidade.O luto mais pesado nem fora ainda digerido. Na manhã do terceiro dia, uma polvorosa de arromba. Quincas apareceu na cidade, limpo, lépido e fagueiro, como se estivesse voltando de uma viagem de turismo a Israel, em tempo de paz. Trazia, em anexo, uma sacola muito pesada. Via-se pelo desconforto que ela causava a seu ombro. Mandou chamar cada credor, que chegava ressabiado. Afinal, nunca havia negociado com defunto. Muito menos, defunto ressuscitado.O redivivo pedia calma. Oferecia água, cafezinho e acomodação no sofá da sala, como se estar vivo fosse algo normal. Menorah num canto, sete velas acesas. Não dava condição para o credor fazer perguntas sobre a morte ou a vida do outro lado. As pessoas também pensavam que o mundo do além, do judeu, era diferente do de um cristão. Então não adiantaria nada saber. Da sacola que trouxe, Quincas entregava, de brinde, ao credor ressabiado, uma barra de ouro 24 quilates, de uns 50 gramas, para compensar o medo do prejuízo. Os devedores, ao resgatarem a dívida, também recebiam seu brinde. O ouro da eternidade, ele dizia.Aconteceram outras mortes de Quincas, num espaço de dois, três anos. Por queda, diarreia, atropelamento, maleita e até por engasgo. O assunto virou um folclore lucrativo. E as pessoas adoravam. Toda vez, ele morria, ressuscitava e trazia brindes valiosos. Precedentes de ressurreição em Israel eram lembrados. Isso fez o número de investidores crescer exponencialmente.Mas, da sétima vez, morreu enquanto dormia. Por certo, não acordou e não houve ressurreição. Se houve, ninguém viu. Ou então ressuscitou em surdina, meio dormindo, e fugiu com o dinheiro dos investidores sem títulos de crédito, deixando Mundocaia no maior desfalque. E sua mulher, para receber os empréstimos concedidos aos pobres desalentados.