No último sábado do ano, à mesa ao lado da minha, em um restaurante, estavam uma menina de cerca de 5 anos e a avó. Riam, conversavam animadas e, quando o garçom se aproximou perguntando o que iriam pedir, a criança foi rápida na resposta: “Quero sorvete!”A avó argumentou que ela ainda não havia almoçado, mas a menina reforçou o pedido, com aquele poder de persuasão típico da infância: “Por favor, vovó! Está muito quente, e eu queria tomar sorvete!”.Percebendo que não conseguiria convencê-la, a avó cedeu e autorizou o pedido. Quando o sorvete chegou, a menina mal conteve a empolgação: saboreava como se estivesse diante da melhor coisa do mundo.Cerca de 15 minutos depois, a mãe chegou. Ao ver a filha, foi logo questionando:“Ué, a Manuela já almoçou? Imagino que sim, pois está na sobremesa”. Avó e neta se entreolharam e, aos risos, responderam que não. “Ela não quis o almoço e foi direto para a sobremesa, minha filha”, explicou a avó.A mãe tentou conter a irritação, mas não conseguiu: “Não acredito que você fez isso! Como pode deixar uma criança comer apenas doce, sem se alimentar direito? Quando eu era pequena, você era terminantemente contra esse tipo de coisa!”. Com serenidade, a avó respondeu que, naquela época, fora rígida porque não sabia fazer diferente. Disse que, com a maturidade, aprendera que comer a sobremesa antes do almoço, de vez em quando, não faz mal a ninguém. “Para que tanto drama? Ninguém vai morrer por isso. A Manuela não almoçou agora, mas pode jantar muito bem. Está tudo certo”, alegou. “Não brigue com a vovó, mamãe!”, interveio a menina. “Ela insistiu para eu almoçar primeiro. Fui eu que não quis”, frisou. Percebendo o clima pesado, a avó pediu desculpas e sugeriu sair com a neta para trocar um maiô que havia ganhado de presente, mas não servira. Assim, a mãe poderia almoçar com mais tranquilidade.Quando as duas se levantaram, a mãe respirou fundo. Olhou para o lado, percebeu que eu havia acompanhado a cena e, buscando cumplicidade, perguntou:“Sua mãe também sabota a criação dos seus filhos?”Sorri e respondi que, infelizmente, minha mãe já havia falecido. Constrangida, ela pediu desculpas e completou: “Acho que hoje não é um bom dia para mim. Só estou dizendo o que não devo”. Falei que não havia problema algum e contei que me alegrava ver a cumplicidade e o carinho entre avó e neta, pois vivi algo parecido na infância. Lembrei que adorava passar as férias na casa da minha avó, onde o almoço era bife com batata frita, sem a obrigação da salada — curiosamente, a comida era tão boa que eu acabava comendo alface e tomate sem perceber.Recordei também nossos passeios pelo Centro de Goiânia, quando, no meio da manhã, ela me levava à Barraca do Nagib, na Rua do Lazer, para tomar caldo de cana e comer pastel de queijo. Era o nosso segredo: eu almoçava pouco, mas não revelava o motivo a minha mãe. Outro segredo eram as idas às Lojas Americanas para comer cachorro-quente no fim da tarde, o que invariavelmente tirava a fome do jantar.Expliquei que ter uma mãe rígida e exigente foi fundamental para a formação da minha personalidade, mas que a presença de uma avó amorosa, divertida e transgressora das pequenas regras do cotidiano me tornou mais empática, leve e criativa. E que as memórias que construímos juntas aquecem meu coração até hoje.“Nunca tinha pensado por esse lado… Talvez você tenha razão”, disse ela, reflexiva. Não sei se estou certa, caro leitor. De toda forma, o que desejo a você neste ano-novo que já desponta é flexibilidade e alegria. Que você cumpra rotinas, trace planos e alcance metas, mas que também tenha a sabedoria das avós — a minha e a da Manuela — e se permita abrir janelas de respiro, onde seja possível sorrir por pouca coisa e, vez ou outra, comer a sobremesa antes do almoço. Feliz 2026!