Se o pai estivesse vivo, o ano-novo seria com ele. Foram mais de 20 anos repetindo a tradição assim, desde que meus pais se separaram: o Natal a gente passava com a mãe; o ano-novo, com o pai. No começo, eu me divertia com essa divisão. Era uma das poucas crianças da escola que tinha a possibilidade de viver duas experiências diferentes com pessoas diferentes no fim do ano. Na casa da mãe, ou seja, na casa dos avós, o Natal seguia a liturgia e conservava todas as tradições, inclusive as machistas: os homens na sala bebendo e fazendo piadas sem graça; as mulheres na cozinha trabalhando para servir aos homens. O Natal só começava de verdade depois que os mais velhos voltavam da igreja. Cada um frequentava um endereço, uma missa, um culto, uma pregação. Chegavam em horários diferentes, a partir das 10 da noite. As crianças, já impacientes, comiam pedaços de panetone de frutas secas enquanto esperavam a ceia, os presentes, os chocotones. Algumas cochilavam, enquanto outras gastavam uma energia sem fim. Os homens mais velhos bebiam e faziam piadas com os sobrinhos. Foram anos com o mesmo Natal: a reza, o depoimento emocionado de algum parente agradecendo pelo milagre do ano, a tia que homenageava quem não pôde estar presente, a ceia, o amigo secreto, o bingo. No outro dia, o almoço reunia os mesmos convidados ao redor da mesma comida da noite anterior.