Durante um passeio no shopping com uma amiga, nos encontramos com uma conhecida dela. A mulher parecia furiosa. “Vocês acreditam que meu filho falou que estudaria para o simulado da escola, mas na verdade estava em uma festa, tomando cerveja e tocando violão?”, disparou, indignada.Perguntamos como ela havia descoberto a mentira. “Sigo no Instagram o pai de um dos colegas do meu filho. O homem deu um churrasco na casa dele e postou um vídeo do meu filho lá, ao violão, cantando música sertaneja, com uma longneck do lado. Viralizou entre os adultos, que acharam a voz do meu menino linda”, explicou.Tentamos demonstrar solidariedade, mas acabamos caindo na risada. Ela ficou sem entender nossa reação, e minha amiga justificou: “É que nós três já fizemos muito isso. A diferença é que, na nossa época, não havia redes sociais e os pais não tinham como descobrir. A gente escapava das broncas e da exposição.”Na hora, a sensação de alívio foi imensa. Fico imaginando se minhas desobediências e (des)aventuras fossem postadas nas redes sociais e viralizassem, o inferno que minha vida teria se tornado. Não apenas passaria anos de castigo, como me tornaria um prato cheio para os perfis especializados em memes.Aos 12 anos, decidi que queria uma franja. Com experiência zero em cortes de cabelo, fui ao banheiro, separei uma mecha, molhei e cortei o que achei que seria o tamanho adequado. Sem levar em conta que meu cabelo era cacheado e fino — e por isso armava muito — meia hora depois, em vez de franja, fiquei com uma viseira na testa.Pense no caos que seria um vídeo ao vivo de uma blogueira mirim postando o passo a passo desse desastre. Ou de uma influenciadora adolescente que, na tentativa de depilar o buço com cera quente aos 17 anos, terminou com duas bolhas de queimadura: uma de cada lado da boca — sim, leitor, fiz essa proeza.Eu mataria muita gente de susto aos 20 anos, quando fiquei “morena” por engano. Precisava retocar a coloração do cabelo e entrei nas Lojas Americanas correndo. Em vez do tom louro dourado, comprei o louro escuro. Foram dois meses para a cor desbotar — e seriam 60 dias de perguntas no direct: “Nossa, cansou de ser loura?”Imagine minha mãe assistindo a um vídeo meu em plena Pecuária, no meio da manhã, tomando pinga com mel e rindo com a galera, enquanto ela achava que eu estava na escola estudando para o vestibular. Ou me vendo perambular pelas ruas do Setor Oeste com uma amiga, ignorando as aulas extras de redação e matemática.Felizmente, minha excursão para São Paulo, para assistir ao primeiro show que o U2 faria no Brasil, em 1998, foi totalmente offline. Com um cabelo amarelo ovo, uma calça saint-tropez e algumas latinhas no cérebro, encarnei a Carla Perez e passei boa parte da viagem descendo na boquinha da garrafa, no corredor do ônibus.Aliás, por falar em álcool, meus amigos, o pouco que resta de credibilidade desta que vos escreve evaporaria se alguém tivesse colocado nos stories cenas minhas do primeiro ano de faculdade: batendo na mesa e gritando no centro de convivência da Universidade Federal de Goiás, enquanto jogava truco e bebia cerveja.Mas nada pode ser mais abençoado do que não haver um registro sequer meu nas primeiras edições do Carnagoiânia. Jesus amado, o que era aquilo. Eu descendo a avenida cantando “Já beijei um, já beijei dois, já beijei três / Hoje eu já beijei e vou beijar mais uma vez”, enlouquecida, indo para o banho de espuma no final.Saber que o que aconteceu na infância e na juventude ficou gravado apenas na memória e não viralizou é um bálsamo para a alma. Que sorte poder chegar à maturidade com as primeiras décadas livres do risco de registrar e ser registrada. Nossa Senhora Analógica é minha pastora e nada me faltará.