Duas cobras passeiam lado a lado, conversando, como fazem desde 1975, sobre a vida e as coisas deste mundo tantas vezes rastejante.– Ainda não acredito que Luis Fernando partiu.– Pois é... Infelizmente.– Poxa, ele que soube tantas vezes nos fazer falar as coisas certas.– Na verdade, nós não existiríamos sem ele.– Nem nós, nem a Velhinha de Taubaté, o Analista de Bagé, o Ed Mort...– Grande Luis Fernando! Ele já faz falta nesses tempos tão estranhos.– Estranhos mesmo. Só tem cobra criada. Diferente de nós duas, que somos cobras inofensivas.– Aqueles de quem falamos não nos acham tão inofensivas assim.– Mas eles merecem a peçonha. Como não destilar veneno contra quem quer acabar com a democracia? – Lembra o quanto Luis Fernando prezava a democracia? Nós nascemos lá nos tempos da ditadura para driblar a censura.– Censura de verdade! Hoje em dia, reclamam que não os deixam cometer os crimes em paz. Não podem ser racistas, golpistas, mentirosos à vontade. Dizem-se censurados. – É preciso dar uma banana pra essa gente!– Uma Bananinha! É mais apropriado para esse cardápio. – Uma Bananinha com 50% de tarifaço? Ainda bem que comemos ratos.– Aliás, parece que chamaram políticos de ratos dia desses.– Quem xingou assim? Os comunistas?– Não, não existem mais comunistas. Só na imaginação de alguns, talvez. – E quem foi? Algum sindicalista? Um russo? Um chinês?– Que nada! Foi um membro daquela família. – Aquela família que o Luis Fernando detestava?– Aquela mesma! Acho que são meio loucos.– Os políticos protestaram?– Preferiram se fingir de surdos.– E os ratos, protestaram?– Esses querem a conciliação.– Eles querem perdoar?– Só perdoam quem lhes convém.– E o povo?– O povo paga. Pagou os prejuízos da quebradeira, inclusive.– Sim, eu me lembro daquele domingo de janeiro.– Mas tem gente que quer esquecer. E quer fazer que os outros esqueçam também.– Mas nós, cobras, não esquecemos. Não esquecemos nunca, de nada!– Essa é a maior lição das cobras.– E qual é a maior lição dos ratos?– Eles querem impunidade para seus atos.– E qual é a maior lição dos políticos?– Ora, acabei de responder isso!– E qual é a maior lição da existência?– Sobreviver aos ratos.– E como fazer isso?– Com humor e memória.– Aquele pessoal tem humor? Só vejo eles gritando, expelindo perdigotos.– Nenhum. Zero humor!– Aquelas pessoas têm memória?– Eles deturpam a memória para que o passado lhe sirva no presente.– Eles negam os tempos sombrios?– Eles homenageiam os mais sombrios daqueles tempos.– Eles não se solidarizam com as vítimas?– Eles debocham dos que sucumbiram à tortura. E dos que sucumbiram ao vírus.– São contra os direitos humanos, então?– A vida toda detestaram isso. Mas agora clamam por ele, mas só para um eleito.– Ele foi eleito?– Na verdade, da última vez, não.– E como ele ficou?– Com ódio! Com fúria! Com o WhatsApp na mão! E agora, só tem ódio e fúria, porque tiraram o WhatsApp dele.– E ainda acreditam nele? Depois de tudo?– Sempre há pessoas que acreditam em qualquer coisa.– Acho tudo isso muito esquisito. Quem pode explicar?– Luis Fernando sempre teve humor e memória. Isso ajuda não a explicar, mas a nos defender.– É, não faltavam humor e memória ao Luís Fernando.– E que nunca falte humor e memória também ao povo.– Viva Verissimo!– Viva Verissimo!