Mãe e filha entraram no banheiro do shopping center apressadas. “Venha, Ana Clara! Vou prender seu cabelo em um coque, porque assim ele não fica bagunçado pela chuva que tomamos”, disse a mãe. “Não quero cabelo preso! Se ele não estiver solto, não vou ao cinema!”, rebateu a criança, que deveria ter uns 4 anos de idade.Prende, não prende, solta, não solta. Um bate-boca começou entre as duas e a mãe não parecia disposta a ceder. “Vai prender, sim, e ponto final! Nós tomamos chuva e seu cabelo está todo arrepiado. Se o deixarmos solto, ele ficará alto e feio!”, sentenciou. “Mas eu gosto dele alto!”, contestou a pequena.Diante da resistência da mãe, a garota pôs-se a chorar. Vendo que eu observava a cena, a mãe me olhou constrangida e desculpou-se: “Perdão, moça. Sabe como é criança, não é?”. Sorri e respondi que ela não precisava se desculpar. “Na verdade, achei interessante ela gostar do cabelo com volume”, expliquei.A mãe contara que, desde muito nova, ensinara à menina a amar seus cachos e não ter vergonha do quão volumoso eles eram. “Quis fazer diferente do que fizeram comigo. Cresci com muita vergonha do meu cabelo cacheado. Sempre alisei ou enchi os fios de produtos para que ficassem murchos e sem movimento”, justificou.Relatei que havia passado pela mesma experiência até que, há pouco mais de um ano, fiz a transição e assumi meus cachos. “Ah, então você me entende!”, sorriu ela, aliviada. “O problema é que acho que exagerei na dose. Exercitei tanto a autoestima da Ana Clara, que ela não aceita mais ficar de cabelo preso!”, gargalhou.Sugeri que tentássemos as duas secar o cabelo da menina com o papel toalha do banheiro e, depois, que definíssemos os cachos com os dedos. “Em dupla penso que é mais fácil, pois vamos ao cinema daqui a pouco e não posso demorar. Você me ajuda?”, questionou ela. Concordei imediatamente e começamos nossa missão.Enquanto passava as mãos pelo cabelo de Ana Clara, lembrei de mim mesma, quando garota. Um dia, uma amiga da minha avó me vira de rabo de cavalo e elogiara o penteado de forma efusiva. “Agora sim! Parece que seu rosto ficou até mais limpo, sem aquele sarará que toma conta de tudo!”, disparou.Dali em dia, passei a associar meus cachos a “sujeira” e decidi que só andaria “limpa”. Na faculdade, ousei soltá-los, mas com bastante creme nas pontas, para que os fios ficassem baixos e sem volume. Depois, vieram os alisamentos e as escovas, para que se tornassem iguais aos cabelos “de todo mundo”.Foi somente em 2023 que criei coragem para adotar uma mudança brusca. Cortei meu cabelo – que era bem comprido – na altura das orelhas para retirar a parte alisada, e assumi os cachos. Apesar da decisão, sempre buscava deixá-los mais “baixos”, vivendo ainda sob os resquícios da infância.No final do ano passado, em um sábado qualquer, depois de lavar os cabelos, resolvi virar a cabeça para baixo e chacoalhar – é assim que se solta os cachos, para deixá-los com mais volume. Em seguida, em vez de quantidades grandes de finalizador para murchar os fios, usei apenas o necessário para defini-los.A mulher que surgira no espelho era diferente. Leves e soltos, os cachos puderam se mostrar tal qual vieram ao mundo. Eles respondiam à liberdade que eu lhes dera com alegria e entusiasmo. Decretei a mim mesma: “Aumente o volume, porque agora você vai dançar com a vida. Chega de ficar presa!”Quando terminei de ajudar a mãe de Ana Clara a arrumar seus cachos, pedi um abraço a ela. Aquela menina abraçou a minha criança e, ali mesmo no banheiro do shopping, colou os pedaços do coração da garota que não tirava o rabo de cavalo porque se sentia feia. Aumentamos o volume e fomos dançar com a vida.