No cenário vibrante do Rio de Janeiro, onde a areia encontra o asfalto, uma nova guerra urbana desponta com a energia de um vendaval tropical. Dessa vez, não se trata de traficantes contra policiais ou de turistas contra assaltantes, mas sim de uma batalha mais singular, quase quixotesca: a Cruzada contra os patinetes elétricos, liderada por ninguém menos que as dignas senhoras da Zona Sul, com as matriarcas de Ipanema à frente do pelotão.“Ora, por que as senhoras de Ipanema...”, perguntar-se-ia um observador desavisado, “assumem a liderança dessa curiosa cruzada?” A resposta reside na própria essência de Ipanema. Este bairro, com suas raízes fincadas na bossa nova, se considera o epicentro do charme carioca. As senhoras de Ipanema, autoproclamadas guardiãs desse estilo de vida, enxergam nos patinetes elétricos não só uma ameaça à segurança, mas uma afronta à harmonia estética de suas caminhadas matinais.A Cruzada, portanto, começou de forma quase inadvertida, como um sussurro entre amigas na fila da padaria, crescendo até se transformar num brado retumbante em grupos de WhatsApp com emojis indignados. “Ontem, um patinete quase atropelou a dona Marieta!”, exclamava uma, enquanto outra clamava: “É um absurdo, minha gente! Essas máquinas infernais são um atentado a nossa paz!”A mobilização assumiu contornos épicos. Armadas com seus celulares, chapéus de aba larga e óculos de sol descomunais, as senhoras organizaram patrulhas ao longo da orla. Era comum ver um grupo determinado de matronas, marchando como legionárias romanas, prontas para interceptar qualquer jovem destemido que ousasse deslizar com um patinete.- Veja você, Maria Clara, ali vem mais um, a todo vapor! — gritava dona Lúcia, apontando para um adolescente com um boné virado para trás.- Ah, esses jovens sem noção! Vamos lá, meninas! — replicava dona Odete, agitando sua bengala de forma quase ameaçadora.E assim, a Cruzada ganhava corpo e alma. O ponto alto das hostilidades ocorreu numa manhã de sábado, quando um turista europeu, desavisado das complexidades sociais cariocas, teve a infeliz ideia de atravessar Ipanema sobre duas rodas elétricas. Foi cercado pelas damas resolutas, que proferiram um sermão sobre respeito e boas maneiras, enquanto ele, confuso, tentava explicar-se em inglês.As senhoras não estavam sozinhas em sua luta. O movimento encontrou eco em outras partes da cidade, alastrando-se para Leblon, Copacabana e, com menor fervor, até para Botafogo. Nas reuniões de condomínio e nos encontros da associação de moradores, discutia-se o perigo representado por esses “cavalos de aço modernos”. Propostas de regulamentação e multas começaram a surgir, algumas tão draconianas quanto as antigas leis municipais que proíbem chinelos nos restaurantes finos. Entretanto, nem todos viam os patinetes como vilões. Havia quem argumentasse que eles representavam um avanço sustentável, uma alternativa aos engarrafamentos e ao caos do transporte público.E assim, a orla do Rio de Janeiro, sempre palco de tantas histórias, tornou-se mais uma vez um campo de batalha. De um lado, as destemidas senhoras de Ipanema, armadas com sua tradição e senso de ordem; do outro, os jovens cavaleiros, montados em seus veículos futuristas, pregando a harmonia entre progresso e preservação.Numa cidade que já testemunhou revoluções e batalhas, desde a chegada da corte portuguesa até as chacinas milicianas, essa nova cruzada pode parecer trivial, mas não se engane: ela é um reflexo das eternas tensões que moldam a alma carioca. Afinal, no Rio, até mesmo uma simples caminhada à beira-mar pode se transformar numa epopeia digna de registro. E as senhoras de Ipanema, com suas bengalas eretas e corações valentes, continuarão a marchar, defendendo a tranquilidade de sua amada praia, um patinete de cada vez.