Alexandria, Virgínia, 15 de outubro de 2024. Sempre releio nesta época do ano um poema que conheci no distante ano de 1975, no livro Outubro, do poeta gaúcho Nei Duclós: “Trago a nova: eu mudolento, e é tudo. Sinto ser assimpor estações: aos turnos.(...) Lento e brutoeu mudoSei que vem outubro”.Eis-nos, pois, instalados neste mês que tem diferentes vivências aqui e em nosso país. Neste tempo de viagem pelos Estados Unidos, minha mulher e eu notamos a chegada do Outono, que se anuncia com brisas geladas e com ventos irrefreáveis – como aconteceu nos estados da Flórida e da Carolina do Norte, onde dois furacões provocaram estragos consideráveis – ambos com nomes de seres humanos: Milton e Helene.No Brasil do Centro-Oeste, ao contrário, assiste-se ao desabrochar de diversas espécies de plantas que trazem consigo um colorido diferenciado para as ruas, campos e jardins, com suas cores vibrantes e centenas de tons de verde, pelas chuvas que vão lavando a paisagem seca do Cerrado, prometendo boas colheitas e recuperando o aspecto alegre e vívido da paisagem goiana.Aqui, por outro lado, a natureza se prepara, a partir do equinócio de outono, para receber o Sr. Inverno e faz essa passagem com tintas fortes, exatamente para ser notado: as árvores ganham um colorido único em tons que vão do amarelo ao vermelho. Sopradas pelo vento seguem o imperativo da renovação, começam a cair forrando o chão com um tapete multicolorido. E assim inspiram os poetas com figuras de linguagem ligadas às folhas mortas. O mais famoso em língua francesa é, certamente, o poema de Jacques Prévert, eternizado na voz de Yves Montand. Um trecho dele me remete a algumas perdas e arrependimentos que acumulei nas minhas quase sete décadas de existência. No original, Prévert diz que as folhas mortas, tal como as lembranças e os arrependimentos se juntam com a pá e só mesmo um vento do Norte pode carregá-las para a noite fria do esquecimento... É essa espécie de vento da mudança que espero, em relação a alguns sentimentos melancólicos de pesar e de desgosto acumulados ao longo da vida e que insistem em borrar as tintas desse belo outono nos Estados Unidos. Assim, quando me cai nas mãos um poema de Robert Frost, poeta laureado dos EUA, eu me deixo aquecer nessa sua quase-prece a Outubro, vejo unidos meus sentimentos pessoais e os elos com os dois países de forma literária:“Ó silenciosa e suave manhã de outubro,Tuas folhas amadureceram até a queda;O vento de amanhã, se for selvagem,Deve limpar todos elas.(...) Ó silenciosa e suave manhã de outubro,Comece as horas deste dia devagar.Faça com que o dia nos pareça menos breve.Solte uma folha ao raiar do novo dia...Devagar, devagar!” – doce outubro”.Essa tristeza vaga e calma vem do meu íntimo e se instala silenciosa, apoiada em um certo sentimento de perda e de ansiedade pelo tempo que se escoa velozmente. No entanto, deixo que tudo seja acompanhado da alegre expectativa de bons momentos das festas do fim do ano. Que este final de outubro faça com que a vida nos pareça menos breve e possamos seguir viajando, benévolo leitor, com os ventos e as chuvas, as nevascas ou as tardes de mormaço sempre esperançosos, mesmo certos de que os outubros se escoam como areia velocíssima na ampulheta do Tempo.