Com 12 anos, eu e meus irmãos já acompanhávamos nossos avós nos hospitais quando eles se internavam. Minha vó foi pouco. Com 80 anos, quando tomou um tombo e quebrou o quadril, foi quando a vi no hospital delirando, usando uma colher imaginária para comer num prato que não existia. Ela estava com fome, a cozinheira que beliscava comida enquanto cozinhava, a vó sempre estava com fome. Morreu faminta por mais vida. O vô começou cedo, ao 60. Eu e meus irmãos passávamos as noites na enfermaria com ele. Meus tios não se entendiam e iam bem menos do que nós. Minha mãe, que ia, mas não podia ficar o dia todo, ficava um pouco, pagava as contas dos remédios, das consultas, das dívidas que o vô fazia. E mandava a gente ir. Os outros, os tios e primos, quando iam, uma ou duas vezes, sumiam depois, como se tivessem cumprido uma missão humanitária, como se tivessem gerado créditos para não voltarem mais.