Li um artigo que dizia que os idosos melhoram sua cognição em qualquer área do conhecimento depois que passam a usar tecnologias digitais, como computador, celular, internet em geral.Será? Tenho minhas dúvidas. Penso que esses idosos se mostram na verdade adaptáveis a um mundo novo, com ferramentas novas, e que não necessariamente se tornarão mais inteligentes por aderirem a essas recentes (recentes em termos, já de algum tempo) engenhocas que só vão aumentando a cada dia, ou ficando cada vez mais sofisticadas.Venho usando o computador há muitos anos para trabalhar ou me comunicar. O celular é hoje em dia um dispositivo perfeitamente comum a todos, inclusive às pessoas mais velhas. A internet está aí pra todo lado, para o bem ou para o mal.Penso ser eu mesma um exemplo de pessoa criada totalmente no analógico, e a duras penas adaptada a essas modernidades que, se por um lado nos facilitam a vida, por outro nos infernizam. E, no entanto, continuo ignorando um monte de coisas:– não compreendo e creio que nunca compreenderei a cabeça de um bolsonarista. E por mais que a tecnologia avance, não acredito que serão capazes de me explicar a razão de os estadunidenses terem elegido o Trump (aliás, o Donald Trump escapa totalmente a minha compreensão e nenhum smartphone do mundo poderá me fazer decifrar essa figura saída de um pesadelo);– continuo a esquecer palavras, nomes e datas constantemente, assim como amigos mais ou menos de minha idade, amigos esses que também usam a internet e passam pelos mesmos problemas (de esquecimento);– ainda ignoro completamente para onde iremos quando morrermos, ou se iremos;– ao passar pela casa onde cresci, que só abandonei aos 22 anos, me ocorre que tenho lembranças de muitos momentos vividos e partilhados lá, mas que há também muitas coisas das quais não me recordo de jeito nenhum e a inteligência artificial também não;– continuo ignorando totalmente como o mundo foi criado e o que fazemos aqui; questões continuam pendentes. O que é a alma? Ninguém sabe, ninguém viu;– não sei o dia em que deixarei este corpo e ignoro se meus mortos me ouvem como eu os escuto (ou “ouvo”, como quer o Romeu Zema) em espírito;– por mais que avancem as descobertas genéticas, nunca saberei os traços que herdei de cada um de meus antepassados;– nunca saberei ao certo o que ia no coração de minhas avós e o que sentiam no decorrer da vida;– por mais sofisticados que se tornem os celulares, as manobras e ferramentas tecnológicas, não creio que me expliquem, por exemplo, a maldade, a não ser com especulações.Não acredito que a inteligência artificial nos tornará mais sábios do que, por exemplo, um indígena que vive em sua aldeia sem desejar mais do que ver o sol nascer e se esconder todos os dias, junto com seus amigos.Ainda nos encontramos na noite da humanidade. Ainda há guerras, há ódios, injustiças, mulheres assassinadas e crianças famintas. Nem sabemos se haverá um tempo futuro em que nada disso vai existir. Até agora a tecnologia não deu sinais de que resolverá essas questões.Portanto, é inútil dizerem para mim que sou hoje mais inteligente que antes pelo fato de poder dominar, sofrida e precariamente, os dispositivos eletrônicos a minha disposição.Assim como um poeta não escreverá poemas mais bonitos se for um craque na internet.Saravá!