Sou eu a culpada pelo fim do mundo, pelo colapso climático, pelo superaquecimento do planeta, pelo degelo das calotas polares, pelos buracos na camada de ozônio, por chover demais, por chover de menos.... Isso é só um pouco do muito que penso enquanto ouço o ronco do motosserra que corta o tronco da árvore em frente à minha casa.Minha culpa, tudo minha culpa, pois afinal fui eu quem pedi que o cortassem, ao pobre Jacarandá Mimoso que mais alegria me dava do que contrariedades, o jacarandazinho que tinha virado um jacarandazão.... Enquanto escuto os galhos tombarem sobre a calçada, até canto “meu limão, meu limoeiro/ meu pé de jacarandá/ uma vez, esquindô lelê/outra vez, esquindô lalá”.Mas não há alegria nesse cantar, apenas vergonha e pesar por ser eu a responsável por dar fim à vida da árvore que durante os meses de estio ficava pelada de folhas – elas tombavam todas para dentro do jardim, da garagem e até do quarto – mas que se vestia de lindas flores roxas, também caídas, formando um tapete mimoso, como se fosse dia de Corpus Christi e o corpo de Cristo estivesse prestes a ali passar.Pois tudo minha culpa, minha máxima culpa! Se o jacarandazinho foi supliciado, sacrificado, crucificado, isso se deve a mim. É o que sinto enquanto percebo o baque de seu tronco sobre o cimento da calçada. E todo esse suplício por quê? Porque em uma manhã, após uma noite de chuva forte, assim que abri a porta da sacada do quarto, levei um susto. Porque os galhos, onde antes pousavam tantos passarinhos que eu observava e que também me espiavam, haviam tombado para dentro da sacada, dando-me a impressão de estar dentro de uma floresta aérea.Porque eu me assustei e tive medo mais do que epifania. Porque me lembrei do Barão nas árvores, do livro de Ítalo Calvino, o barão que sobe em uma árvore e salta de uma à outra, e lá em cima constrói todo um sistema de vida, e nunca mais desce. E porque também me recordei do “quintal aéreo” de Rubem Braga.Mas porque o medo foi maior que a poesia, e eu temi que um larápio trepasse na árvore lá fora e desembarcasse diretamente no meu quarto ou que os galhos emaranhados à maçaroca de fios de eletricidade e telefonia provocassem um curto-circuito, eu pedi à proprietária da casa que solicitasse a poda dos galhos tombados.Não foram, porém, podados somente os galhos. Minha culpa, tudo minha culpa! Quando saí à rua, vi que não apenas os galhos finos pendiam. Uma parte do tronco grosso do lindo Jacarandá Mimoso havia se partido desde a raiz e se debruçado sobre o muro, arrebentando os fios da cerca elétrica.Mais uma vez o medo foi mais forte do que o amor por aquela árvore. Reiterei o pedido e lá vieram os funcionários da Prefeitura cometer o assassínio por mim encomendado. E para agravar minha culpa, minha máxima culpa, eles identificaram no tronco caído uma colmeia de abelhas Jataí repleta de mel.Ao menos foram cuidadosos os funcionários, que prometeram contactar o órgão ambiental da Prefeitura para que a colmeia fosse transplantada. Não bastasse ser eu a culpada pelo suplício do jacarandazinho, teria que carregar mais o fardo de assassinar abelhas tão necessárias à cidade e ao mundo?!Felizmente, para minorar minha tão grande culpa, os funcionários não cortaram a outra parte do tronco e disseram que técnicos do órgão ambiental irão avaliar a necessidade de que a árvore seja inteiramente exterminada. Ufa!Espero que ela ainda possa ser salva, muito embora tantas outras na cidade não tenham tido a mesma sorte, porque são culpadas por crescer ao lado de postes de eletricidade. Ou não seriam na verdade os postes os verdadeiros culpados por se plantarem, com sua maçaroca de fios, ao lado das árvores?