Uma coisa que a gente adorava fazer, quando ia a Jaraguá, era ouvir o tio Joaquim Militão contar sobre a primeira vez que um automóvel entrou na cidade. Dizia ele que tinha sido um cataclismo, um rebuliço tão grande de gente correndo pra dentro de casa com medo do monstro, outras chorando, umas se agarrando nas outras, apavoradas. Teve quem pensasse que fosse o fim do mundo.Se pensarmos bem, esse acontecimento não é tão antigo assim - calculo mais ou menos 80 anos - e, provavelmente, naquela época é que os automóveis estavam chegando em todo o Brasil. Agora transportem-se para a Goiânia de hoje, que alguém já chamou de Cidade-carro. É impressionante.Um dia desses fiquei um bom tempo (estava a pé) parada no cruzamento da 90 com a 136, enquanto um mar de veículos vindos de todos os lados avançava em múltiplas direções.Olhando para aquela subida que demanda shopping, Oscar Niemeyer e condomínios, era um atrás do outro sem parar. Fiquei na esquina esperando a minha vez de atravessar duas pistas lotadas e pensando que aquele lugar tinha somente mato alguns anos atrás, e nenhum automóvel passava por ali.O que será de nós? Teremos civilidade suficiente para montar um esquema de rodízio, para cercar ruas, para muito mais gente usar o transporte público? Ou teremos essa sequência de engarrafamentos cada vez maiores, ad aeternum? Ou até que surjam os carros voadores? Ou até que o mundo acabe?E eu sou uma dessas motoristas, aliás. Não fujo da raia de jeito nenhum. Dirijo desde a adolescência e não penso em parar. Antes caminhava bastante, mas agora o médico que me atendeu sobre problema de coluna disse que andar muito piora a dor na lombar. Só que, mesmo assim, às vezes dou minhas voltas, saio caminhando nas manhãs do Setor Sul. Mas dependo do carro para quase todas as minhas outras atividades. Ou seja, sou uma vítima, mas também agente do caos no trânsito.Quando era menina, usava a bicicleta pra todo lado. Como já sabem, morávamos longe para aquele tempo (Praça do Cruzeiro) e eu pedalava até para ir à aula de piano - lá no Iapc, perto da Igreja Coração de Maria -, aula de piano que eu tomava com a professora Heddy Washeck. Só que logo que comecei a dirigir, o automóvel entrou com tudo na minha vida.O jeito então é enfrentar o trânsito “enquanto Deus for servido”, como dizia meu avô Pedro, ou enquanto eu tiver os reflexos necessários para essa proeza temerária de guiar meu “modo motorizado individual” (como dizem os técnicos para designar carros e motos).Falando sobre mudanças perceptíveis em meu tempo de vida, nada é tão característico desse século 21 como a ameaça climática. Deparei um dia desses com o texto de uma ambientalista contando, entre outras coisas, que o consumo atual de carne no mundo é insustentável; que a Amazônia vem sendo desmatada constantemente para a criação de gado; que o Brasil tem o maior rebanho bovino comercial do mundo, e que 44% dos animais estão nos Estados da Amazônia Legal. Cálculos apontam que 90% da área desmatada da Amazônia vira pasto.Ela fecha com a sugestão de que se coma menos carne. É uma, senão a principal medida para a salvação da floresta, diz. É imperativo que se coma menos carne se quisermos ajudar a preservar a Amazônia, que é fundamental para o equilíbrio climático do planeta.Há muitos anos não como carne vermelha e me sinto muito melhor que antes. Pode ser difícil, mas é possível, ao menos, diminuir o consumo. Para o bem de nossos descendentes e de todos que herdarão a Terra.Antes de fechar, quero deixar registrados o meu repúdio e tristeza com o massacre perpetrado no Rio.Saravá.