Compadre Thianyn, você me pede notícias do sertão. E reclama que eu ando cada vez mais calado sobre os acontecimentos. Diz que eu fiquei um velho marasmático. Não é isso, compadre. Ainda hoje, gosto de conversar até mais do que quando novo. Você se lembra disso. Era menino, ainda morava aqui na fazenda, e a patota me chamava de tagarelo, porque quando a gente ia pescar eu não conseguia ficar calado e os cardumes de piaus chispavam todos com minha conversa. Você e o compadre Deco amarravam minha boca com a camisa e mesmo assim eu continuava fungando e grunhindoAndo ressabiado, você sabe por quê. As coisas andam bem demudadas. Mais de 50 anos que o compadre picou a mula para a Capital. Está tudo diferente. Fico com medo de contar e você achar que, além de tagarelo, fiquei mentiroso. Se voltar aqui hoje, compadre, não reconhecerá mais nada. Nem a paisagem em que você nasceu e viveu até os 10 anos. O Morro da Onça, onde a gente fazia expedição e piquenique, em seu cume, este ano, com uma chuva despejada, escorregou inteiro. Virou uma chapada e, agora, o proprietário vai plantar soja nela. Aqueles riachos que nasciam em suas abas afogaram-se todos com a terra escorregada. Não existem mais. Dizem que é por causa da tal de mudança climática. Será, compadre?! Você, que é aí da cidade grande, acredita nisso? Lembra que nossa bisavó dizia que no fim dos tempos a água do mundo ia subir pro céu e a terra seca pegaria fogo? O mundo acabaria num grande fogaréu? Ainda não aconteceu, mas, pelo jeito, está pela hora.As coisas do tempo andam tão atrapalhadas que o Cacique Pajuru, que profetizava chuva, tempestade, veranico, granizo e tudo o mais... Pois é. Desistiu de adivinhar por conta própria. Agora, fica com um radinho na orelha para dizer aos fazendeiros o início da chuva, a interrupção, ou quando vai chover pedra, para o pessoal encobrir as hortaliças. No dia que acabar a pilha, não vai adivinhar mais nada.Com a mudança climática, até as pessoas estão mudando a natureza. Meu netinho caçula, de cinco anos, desenha melhor do que o Siron Franco. Com essa idade, a gente não sabia nem pegar num lápis. Ele desenha um jardim com flores e borboletas que, de longe, dá para se sentir o perfume e, quando fecha a página, as borboletas saem voando. Dizem que também é por causa do clima.Já lhe contei o causo do poldro Picasso, compadre? Não? Pois é. Ele tem esse nome por causa da história contada por Hugo de Carvalho Ramos. O poldro antigo era muito xucro e o peão mais bravo da fazenda pegou o tal para amansar. Mas o que aconteceu foi que o poldro Picasso amansou o peão. Depois dos reveses, o peão nunca mais teve colhões para montaria. Aí, nós demos o mesmo nome para o poldro daqui. Não teve macho que desse conta de domar o bicho. Ficou brabeza no meio da tropa. Agora por último, já velho, continua arisco. Na hora de dormir, ele fica de pé que nem os outros, mas, à medida que o sono chega, ele levita. Vai subindo, subindo, até ficar do tamanho de um urubu, que é para ninguém pegar. Dizem que é a mudança climática. Será, compadre?O pior de tudo, você não sabe. As pedras do rio Correntes estão sumindo. Me contaram, mas eu achei por bem tirar a prova. Preparei cabaça d’água, café na garrafa, matula de farofa e me escondi, cedinho, na moita de bambu, perto da cachoeira da Grinalda. Foi então que eu vi, com meus próprios olhos, ali, pelas quatro da tarde, as pedras começarem a boiar. Uma, outra, várias, como se fossem de isopor. Eu me arrepiei todinho. E vinham rodando na corredeira com a alegria de coisa que vai para o mar. Em vez de cair na cachoeira, elas subiam ao céu, aparência de nuvens, com a mesma velocidade com que vinham descendo pelas águas. Segundo o Cacique Pajuru, que sabe tudo pelo radinho, é um tal de Hélio Mosca, bilionário amalucado, que está aproveitando as mudanças climáticas e roubando nossas pedras. E pra quê?! Pra levar a um planeta distante e construir por lá um povoado diferente. Será que é mesmo, compadre?