Faz 64 anos que a capital federal mudou-se do Rio de Janeiro para Goiás. Para cá, vieram as representações políticas de todos os Estados, as embaixadas do mundo inteiro, o que, em princípio, transformaria o Centro-Oeste em região cosmopolita. Goiás tornar-se-ia, de fato, um Estado central no sentido de irradiar uma cultura com certo grau de refinamento e hegemonia.No entanto, ao que tudo indica, a capital veio trazendo as mazelas, as intrigas, os fuxicos e toda a penca de maus hábitos que permeia a República, de cunho patrimonialista, onde o que é meu é meu e o que é do Estado é meu também. O RJ, apesar da contravenção, da violência, das milícias, do tráfico e da corrupção continua lindo e representa o Brasil no imaginário dos gringos ou de qualquer nacional.64 anos depois, quem quiser realizar um evento para impressionar, não vai para Brasília ou Goiânia, Cuiabá ou Campo Grande, mas para o RJ. O Centro-Oeste continua num vale (talvez, de lágrimas), se não físico, pelo menos gravitacional. A cultura produzida no Rio chega aqui, e a todas as regiões do País, como se por gravidade, que nem as águas de um aqueduto, da colina para o baixio. E a que se produz no Centro-Oeste não consegue subir a ladeira e alcançar os grandes centros, nem por bombeamento de carneiro hidráulico. Exceção feita à música new-jeca que, de Goiânia, irradia-se para outros quadrantes, com a potência de uma flecha caiapó. Inclusive, artistas do gênero, oriundos de outras regiões, vêm para cá, para se cacifar e conquistar mercados.Difícil acreditar que a vinda da capital federal não tenha trazido sinergia cultural para a região. É como se a potência extra tivesse ficado encapsulada na soberba arquitetura de Brasília, nos traços de Oscar Niemeyer. Talvez, exista um fosso metafísico entre Brasília e Goiás que impeça a radiação dessa força e sua reação com os elementos culturais do Cerrado. Para o historiador, compositor, ex-secretário de Estado da Cultura e membro da Academia Goiana de Letras, Nasr Chaul, goiano de Catalão, “o RJ foi e ainda é um polo irradiador de cultura, desde tempos imemoriais. Altas mídias, grandes eventos, sede da ABL. Além disso, tem toda estrutura de turismo desenvolvida. É cantado em prosa e verso. Coisas que ainda nos faltam, na travessia do Paranaíba”. Para o poeta Salomão Sousa, goiano de Silvânia, radicado em Brasília, “primeiro, a região Centro-Oeste ainda é vista e procurada como uma localidade de exotismo, de natureza exuberante. Falta uma cultura popular forte como o carnaval e também bons monumentos para atração. Brasília é uma atração, mas não tem criado uma correspondência moderna nas demais áreas, pois não alimenta de modernidade o teatro, o cinema, a literatura. Há outra grande dificuldade para a cultura goiana, pois ainda guarda no seio da família uma preocupação com a produção de bens econômicos e de preservação de valores conservadores, sem preocupação com o consumo de cultura. Qualquer manifestação cultural que avance para a modernidade não será acolhida ou interpretada. Basta ver a preocupação atual com a censura. O que assistimos são valores muito individuais. É o caso de Siron, em Goiás, e de Manoel de Barros, em Mato Grosso do Sul. É o caso, ainda, de indagarmos se Cora Coralina e Manoel de Barros não são aceitos pela cor local, por serem compreendidos com um certo exotismo. Considero que a cultura goiana – para irradiar-se para fora – carece antes de ser reverenciada (afirmada) internamente”, conclui o poeta Salomão Sousa. Com o declínio das mídias tradicionais, talvez comece a mudar esse imobilismo cultural. Por exemplo, a Bula, revista eletrônica de cultura, sediada em Goiânia, editada pelo poeta Carlos Willian, compete de igual para igual com veículos nacionais. Mas não é o bastante. É preciso que a sociedade se ilustre mais, para que sua cultura ganhe força hegemônica, e liberte nossa arte aprisionada pelas sombras da província.