– Doutor, estou aqui para lhe atender. Em que meus serviços podem lhe servir?– Obrigado por ter vindo. Puxa a cadeira e senta.– Obrigado, doutor!– Rapaz, tô te achando muito refinado, para um matador de aluguel!– Mas eu não sou pistoleiro, nem matador de aluguel. Sou um agente executivo de contratos.– Isso é um simples eufemismo, meu caro. De qualquer forma, o sujeito objeto do contrato, ao ser executado, perde a vida.– Pelo sim e pelo não, prefiro ser chamado de executivo de contratos. Sinto-me com a consciência mais leve.– Pistoleiro com peso ou leveza de consciência. Só o que me faltava.– Podemos sair das questões semântico-ontológicas para positivar o negócio?– Claro! Claro!– Qual é a parada?– Certamente, você conhece o doutor Jazigo de Deus Gusmão?– O playboy, bilionário, filantropo?– O próprio.– Mas eu não posso fazer isso com um homem que é um santo.– Deixa de frescura, rapaz. Acha que não sei? Seu ‘cerca lourenço’ é só para subir o preço dos honorários. Você tá careca de saber que essa casca de filantropo é pura hipocrisia. É só um truque para lavar a imagem de um tremendo picareta, sujo, estelionatário e perverso.– Mas ele fez alguma coisa de mal contra o senhor?– De péssimo, você quer dizer, né? Contra mim e a torcida do Flamengo. Num traiçoeiro cambalacho, ele açambarcou 51% das ações das empresas de minha família. Não satisfeito, ainda raptou minha amante.– Aquela bonitona?– Claro! Um dia já me viu com amante feia?– Mas o senhor a achava meio caipira.– Caipira e piranha. Caipiranha! Mas bonita!– Tudo bem. Eu evaporo o doutor Jazigo por duzentos mil.– 150, incluindo a caipiranha. Se não aquela excomungada ainda herda parte do patrimônio que foi meu.– Não dá. O Jazigo tem uma segurança de mármore ao seu redor: capangas, batedores, espiões, coletes à prova de balas, carros blindados, despistes...– Você é um especialista. Sabe furar os bloqueios.– Duzentos mil e o senhor pode encomendar a missa.– Tá. Tá bom, vá lá.Necrotério Sousandrade deixou a mansão do contratante, bolando um engodo para executar o trabalho, sem grandes dispêndios. Conhecia bem o perfil do do que seria morto. Sabia que doutor Jazigo não resistia a uma oportunidade de se mostrar bom e caridoso. Principalmente se a caridade fosse divulgada e vista por muita gente.Necrotério bolou uma Kombi, placa fria, com uma corneta de som. No sábado, ao cair da noite, veio apregoando pela rua:– Sou um homem necessitado. Tenho cinco crianças passando fome. Não posso trabalhar. Peso duzentos quilos.– Comeu tudo e deixou os filhos sem – gracejou doutor Jazigo.– Preciso da caridade de vocês para não deixar meus filhos morrerem de fome – veio fazendo alarde e o petitório. Parou em frente ao luxuoso condomínio Cumuloninbus em cuja cobertura reside o doutor e sua nova esposa. O morador saiu no terraço e viu que havia pessoas, supostamente das imediações, levando donativos. Havia um canal de TV filmando a ação.Doutor Jazigo juntou umas coisas: víveres, roupas, dinheiro e até lombrigueiros para crianças amarelosas. Desprevenido, sem guarda-costas, sem coletes à prova de balas, sem nada, com o espírito caseiro de fim de sábado, desceu pelo elevador, com a esposa. Atravessou a rua, trambolhado de coisas, tomando banho de luz e já fazendo poses para a câmera que parecia tudo filmar. Entregou os donativos sem observar direito a quem e procurou o suposto repórter para cavar uma entrevista.Ao se posicionarem para as falas, Doutor Jazigo e a dita caipiranha receberam uma saraivada de balas, de armas e projéteis clandestinos.Quando a polícia chegou, na sonolência crepuscular, a Kombi já havia desaparecido sem deixar pistas, levando figurantes e agentes do delito. Os corpos dos filantropos de ocasião estirados no asfalto, como simples prolongamentos dos jorros do sangue coagulado.