Um dia desses fiquei pensando em como a história do “seu Jair” é igualzinha a uma tragédia de Shakespeare sobre ambição, ganância, sede de poder, filhos inescrupulosos e loucos, esposas que incitam a guerra. Detenho-me aqui, brevemente, em quatro das peças: Macbeth, Rei Lear, Ricardo II e Ricardo III.Desnecessário dizer que essas comparações levam em conta a diferença de época, sociedade, costumes, etc., mas como Shakespeare, em seu trabalho, se preocupava principalmente com a alma do homem em situações extremas, seus personagens estarão vivos, críveis e plausíveis enquanto houver seres humanos na Terra. Razão pela qual suas peças são encenadas no mundo inteiro, cinco séculos depois de sua morte.Assim, vejamos: na peça Macbeth, temos um nobre que - até o momento da tragédia - tinha sido um bom e fiel súdito, mas que, ao ouvir de umas bruxas a profecia de que seria rei, é levado por uma ambição delirante a cometer o assassinato do verdadeiro rei, até então um amigo. Sua mulher, Lady Macbeth, tem papel de destaque no enredo todo. A comparação aqui está na ambição sem limites e na loucura que toma conta ao final (!).Em Rei Lear, temos a questão das filhas (com exceção de uma) atormentando o pai, se engalfinhando, querendo se aproveitar e participar de tudo, cheias de maquinações sombrias.Em Ricardo II e Ricardo III, temos mais uma vez ascensão e queda, desgoverno e corrupção permeando toda a trama. Ricardo II é um rei fraco e inútil que governa de forma das mais tirânicas, inclusive confiscando as terras dos camponeses. Ao usurpar a herança de um tal Bolingbroke, seu primo, faz com que Bolingbroke leve o exército para atacá-lo. Ricardo II não consegue resistir, é deposto e levado à prisão, onde acaba por morrer. A peça mostra a instabilidade política, a corrupção e a perda do poder(!)Em Ricardo III, no primeiro ato, ele é ainda duque, mas na verdade é um vilão, um manipulador, que, usando uma série de conluios e violências, consegue subir ao trono. Seu reinado é marcado pelo terror e pela paranoia. Os temas principais dessa peça são, mais uma vez, a ambição perigosa, a tirania, a maldade em estado puro e o destino dos déspotas (!)É provável que essas semelhanças já tenham sido exploradas por outros autores com relação a outros ditadores da História, já que essas tragédias de Shakespeare são atemporais e, aliás, sempre convivemos com tiranos, ilegitimidade, traições e corrupção. E violência, claro - as mulheres que o digam.Quanto a esse específico e lamentável candidato a ditador, o Jair, tudo em sua trajetória faz lembrar essas questões exploradas pelo poeta: os filhos, as mentiras, as declarações estapafúrdias e sem noção, as conspirações do final... Há todo um clima shakesperiano nas histórias, e os personagens formam uma rede malévola, um serpentário em constante ebulição.Das figuras que Shakespeare criou nas peças que citei (vale dizer que ele escreveu umas 38), a que mais representa a ambição é o Macbeth; o que tem ligação pra lá de complicada com a prole é o rei Lear; o que é mais astuto e manipulador é o Ricardo III, e aquele que representa o rei mais falho, incompetente, vaidoso, errático e “muitas vezes distante das verdadeiras necessidades de seu reino” (!)... é Ricardo II.Não lembra alguém que conhecemos? E situações que não podemos nem devemos esquecer?