O comprador endoideceu ao ver o pônei. Pequenino, esperto, malhado de branco e caramelo, crina esvoaçante, cauda longa e farta, além dos olhos entre azuis e esgazeados. A pele inteira, uma pintura. Pela habilidade com que abanava a cauda e batia as patas, parasitas não se afixavam em seu pelo. “Não havia manchas em seu corpo de manancial fechado.” O negociante lembrou-se de Sulamita, quando avistada por Salomão. Era aquele exemplar uma verdadeira joia equina. O cavalinho ideal prometido ao neto, mas não encontrado, até então.Sudário de Jesus, o comprador. Homem marinado nas lides com animais de sela. Para não dar bandeira, fez de conta que nem percebeu o cavalinho. Sequer mirou nele, de modo a não provocar elevação de preço. Andou entre os animais. Deu um tapa fofo, de mão emborcada, na garupa de um cavalo baio, que apenas deu um leve arranco, sem sair do lugar. Com intimidade, foi à frente, abriu os beiços do Rocinante. Pela dentição, tinha 4 anos, no início da fase ideal para trabalhos intensos de condução de boiada ou de campeio de gado. Passou ao lado do pônei, simulando olhar para a égua prenha. Chegou mais à frente, fez pala com a mão esquerda, como se o sol atrapalhasse, e olhou torto para o cavalinho, que a essas alturas já tinha ouvido os filhos do sitiante Jequié chamá-lo de Jujuba. Concluiu que não poderia perder a oportunidade de comprar o cavalinho, por nada desse mundo.Sudário andou um pouco mais, olhando em detalhes a condição da tropa. Saiu do curral, tirou o chapéu, comeu um bandim de rapadura e tomou um gole d’água de uma cabaça que a mulher do proprietário gentilmente trouxera. Mandou o auxiliar, juntamente com o cavalariço do sítio, separar os animais de interesse, que ele apontava com o dedo e descrevia as características. A mulher e os três filhos do sitiante a tudo observavam, olhando por entre os vãos da cerca. De vez em quando, elogiavam, com orgulho, a beleza e a graça do pônei Jujuba.Toda vez que Jequié ia sugerir um animal, ressaltando suas vantagens, o coração de Sudário acelerava, na expectativa de que seria a vez de Jujuba entrar na roda. Mas nada da sugestão sair. Todos os cavalos, éguas e potros de interesse foram separados. Uma tropa de 15 animais. Sudário tentou negociar no puxa. Não foi possível. Negociaram um a um, e a esposa, anotando num caderninho. Fecharam o negócio e nada de o proprietário oferecer o bendito Jujuba. Jequié mandou o cavalariço tocar a tropa escolhida para um piquete, que seria levada de caminhão no dia seguinte. O adquirente puxou o talão de cheques. Pôs em cima da coxa e assinou antes de preencher, para ganhar tempo. Olhou ao redor para os animais e as pessoas e nada de sair a oferta de Jujuba. Já corroído de ansiedade, virou para Jequié:– E o pônei Jujuba?A mulher começou a ter um mal-estar. Os meninos gritaram em uníssono:– O Jujuba, não, papai!– Esse é de estima! Mansinho, é o xodó das crianças. Vendo não – cravou Jequié.– Pago o preço que for, disse Sudário, – tomando a negativa como desafio.– O preço que eu pedir você paga?–Pago!A família aumentava o volume do chororô, como que para impedir a venda.– Engole o choro e passa pra dentro, todo mundo!– 25 mil.– Uai! O mesmo preço da tropa!– É o Jujuba, né? Nosso xodó!– Dei minha palavra, então pago.Sudário dobrou o valor do cheque. O pônei foi tocado para junto dos animais vendidos. O comprador saiu pesaroso pelo preço, mas feliz com mimo que, finalmente, daria ao neto.– Minha palavra não volta atrás – reafirmou Jequié, para confortar o comprador.– A minha também não – afirmou Sudário, com certo orgulho.A tropa, levada de caminhão gaiola. Dias depois, Sudário voltou cabreiro, alegando que Jujuba era o cão. Dava coice, mordia, pulava, arrombava cerca e não tinha peão que conseguisse domá-lo.– Minha palavra não volta atrás – lembrou Jequié.– A minha também não – asseverou Sudário. – Só queria que me emprestasse a mulher e os filhos para me ajudar a vender esse capeta.