Eram duas cabecinhas brancas, uma encostada na outra, aguardando o momento de entrar no consultório médico. Eu também esperava minha vez e, distraída, deixei-me ficar observando: o gesto suave de uma mão que acariciava o braço, o rosto que se inclinava de leve sobre o outro, os dedos que percorriam as costas com delicadeza.A secretária chamou o nome do homem. Ele se levantou, beijou o rosto da esposa, recebeu dela um “boa sorte” e entrou. Não resisti e comentei com a mulher o quanto me encantava aquele afeto. “Ah, minha filha... são 45 anos juntos. É muita história!”, respondeu, com uma risada curta, carregada de lembranças.Foi então que me contou: o marido estava ali por causa de uma suspeita de depressão. “Perdemos, no início do ano, um sobrinho que era como um filho para nós. Cresceu em nossa casa, desde pequeno, porque os pais morreram num desastre de carro. Em janeiro, sofreu um acidente vascular cerebral e não resistiu”, disse.O casal tem três filhas. O sobrinho era o “caçula”, o xodó da família.“Sinto falta demais. Mas também sou grata pelo tempo que passamos juntos. Gosto de lembrar das histórias, de estar perto dos amigos dele. Infelizmente, meu marido não consegue reagir da mesma forma”, explicou.Desde a morte, ele não toca no nome do rapaz. Não deixa ninguém falar.“Se fechou. Vive calado, cabisbaixo. Mal se alimenta. Não permite que eu coloque fotos dele na sala, que convide os amigos do meu sobrinho para nossa casa. Quando tentamos conversar, ele corta na hora”, contou a mulher.Na véspera, ela chegara mais cedo em casa e o encontrou deitado na cama do rapaz, acariciando o lençol, em prantos. Aproximou-se devagar, abraçou-o em silêncio.“Então ele se sentou, respirou fundo e disse que não aguentava mais tanta dor. Que era hora de procurar ajuda”, recordou.Perguntei se não era difícil lidar com o silêncio dele, já que falar sobre a perda costuma ajudar na elaboração do luto. Afinal, ao relembrarmos as memórias de quem se foi, acabamos trazendo a pessoa de volta à vida, de certa forma — o que funciona como um alívio para a ausência. No meu caso, pelo menos, foi assim.“Sofro, sim. Mas aprendi a respeitar. Cada um tem seu tempo. E se há algo que ele me ensinou, é que devemos respeitar o tempo do outro”, afirmou. E completou:“Uma relação só faz sentido quando se caminha lado a lado. Nem à frente, nem atrás.”Ela contou que fora criada para casar e ter filhos. Embora tivesse o sonho de estudar e se formar em Direito, o pai nunca permitiu. “Segui a vida que traçaram para mim. Até que, depois que minha filha mais nova nasceu, caí em depressão. Não conseguia sair daquele buraco”, lembrou.Numa conversa com o marido, perceberam que a maternidade a completava, mas não bastava. Faltava-lhe a realização profissional. “Então ele disse: se for isso, eu tomo conta das crianças à noite e nos fins de semana, para que você estude e trabalhe”, contou.Com o apoio dele, formou-se em Direito, começou a atuar como advogada e, algum tempo depois, tornou-se sócia do escritório onde trabalhou por mais de duas décadas.“Ele poderia ter simplesmente ignorado meu desejo, mas respeitou meu tempo e me ajudou a ser uma mulher ainda mais feliz e inteira”, avaliou.Quarenta minutos depois, o homem saiu da consulta. O rosto ainda trazia o choro, mas o olhar já parecia mais leve. Despedi-me dos dois. E fiquei pensando na sorte de quem encontra alguém disposto a caminhar junto. Não à frente, não atrás — mas ao lado. No compasso da vida, no passo do outro. Até mesmo diante da morte.