Imaginemos um filme baseado nos ensaios de O Rei se Inclina e Mata (tradução: Rosvitha Friesen Blume. Biblioteca Azul), de Herta Müller. Uma imagem recorrente talvez fosse um close no rosto da autora, cuja voz ouviríamos lendo os textos sem que, contudo, os lábios se movessem. Ao se debruçar sobre o passado e refletir sobre a capacidade da linguagem para uma tarefa dessa natureza, Müller sabe que está se dirigindo a um espaço onde “as palavras não podem permanecer”, mas ao qual é impossível não se referir. Perseguida pela ditadura comunista de Nicolae Ceaușescu, Müller teve amigos assassinados e sofreu barbaridades nas mãos desse “rei do Estado” que, ela escreve no ensaio-título, “regateia no limiar entre a vida e a morte: atira os que se lhe tornaram incômodos secretamente da janela, embaixo de trens ou carros, de pontes de rios, pendura-os na corda, envenena-os – encena seu suicídio como suicídio”. A experiência da repressão surge ligada à da expressão. Esta é paradoxalmente alimentada por aquela.