Observar pássaros acalma, alivia o estresse e até ajuda no combate à depressão, li em algum lugar. Ser por eles observado também. Como assim ser por eles observado? Isso mesmo. Sinto-me continuamente observada por bem-te-vis, por um ou dois em especial.Quase todas as manhãs, quando ia me exercitar na academia e me movia por 30 minutos na esteira imóvel, diante de uma grande janela, um bem-te-vi – dos muitos que pousam nas paineiras reais, também chamadas de Paneira-de-Manila (pesquiso o nome agora), não sei se para bicar seus coquinhos vermelhos (não me detive tanto nessa observação) – pousava em uma grade de outra janela e me encarava.Juro que ele me secava com seus miúdos olhos de passarinho. Ficava ali por vários minutos. Às vezes levantava voo e batia asas para algum lugar além do alcance de minha visão, mas voltava alguns segundos depois, retomando a vigília. Ora, mas como sei que se tratava do mesmo bem-te-vi e não de outro, afinal eram tantos e tão iguais? Só sei que sei ou quero acreditar que sei.O fato é que me acostumei a sua companhia diária, uma presença que tornava menos torturantes e tediosos os 30 minutos de caminhada e corrida. O que teria em mim de atrativo para despertar a curiosidade daquele passarinho? – eu pensava. O que ele, por sua vez, pensaria a respeito daquela humana estranha que não só não tem a capacidade de voar, como anda sem sair do lugar e usa fones de ouvido para ignorar o seu canto lindo?Pensar no que pensam de nós as aves do mundo é bom porque nos faz nos recordar de nossos absurdos e estranhezas.Pois, para minha decepção, notei a ausência do meu passarinho habitué nos últimos dias. O bem-te-vi já não vinha me ver. Sabe-se lá por qual motivo, sumiu, levantando com ele todos os outros de sua espécie que faziam festa nas palmeiras.Para consolo, resta jardim e na vizinhança de minha casa um bom estoque de bem-te-vis. E há um outro em particular, frequentador assíduo de meu restaurante gratuito para gatos (os meus e os da vizinhança), pombos e demais pássaros. Lá pelo fim da tarde, ele aparece, religiosamente, para pegar o que lhe cabe da ração dos gatos.Ignorando o grande perigo que corre – Netuno, meu gato marinho, é um caçador audaz e implacável –, o bem-te-vi pousa sobre uma das cordas do varal na varanda, encara-me com seus olhos miudinhos (pensará ele que sou eu a ameaça?), solta um canto estridente e mais longo, quase uma espécie de grito, espera alguns segundos e dá um rasante em um dos potes de ração colocados sobre a bancada de uma velha pia. Captura um naco com seu biquinho e voa de volta para o fio. Às vezes repete a operação por duas ou três vezes e talvez por estar com o papinho já cheio, voa de volta para não sei onde.Decerto têm razão os que dizem que observar pássaros mitiga a tristeza da vida e do mundo, pois naquelas manhãs em que é bem difícil levantar da cama, é a algazarra das maritacas no jacarandá mimoso em frente à sacada do meu quarto que me lembra que acordar vale a pena, ou as penas. Algumas delas chegam bem perto e até pousam sobre o fio da empresa de telefonia, observando-me com ares de peraltice.Infelizmente, não posso dizer que me espiam as grandes araras azuis que também ouço sobre o telhado da casa ou sobre na grimpa de um dos pinheirinhos diante da porta principal. Não se aproximam o suficiente para que eu possa acreditar que também me acompanham. Só sei que passam alguns minutos ali, exuberantes, ruidosas, e logo partem para novos telhados e árvores quem sabe também para observar outros sortudos humanos que as observam, estranhos.