Ivo era um homem que tinha a pele queimada do sol. O rosto guardava os vincos do tempo, do trabalho duro na roça, como lavrador e operador de máquinas pesadas. Casado, pai de cinco filhos, fazia questão de percorrer todos os anos, a pé, os quase 50 quilômetros que separam o distrito de Posselândia, onde ficava sua propriedade rural, até Trindade, na época da Festa do Divino Pai Eterno. Em 2016, aos 65 anos de idade, Ivo descobrira um câncer metastático de pulmão. Pediu ao Divino Pai Eterno que lhe desse a cura e não permitisse que ele ficasse deitado em uma cama. Também disse aos filhos que, alcançando a graça, em agradecimento gostaria de criar uma barraca às margens da GO-469, onde não havia ponto de apoio para os romeiros, para dar a eles comida e bebida de graça. Apenas três dias depois da descoberta do câncer, Ivo morreu. A família entendeu que a graça fora concedida, já que o pai escapara de seu principal temor: ficar acamado, padecendo pelas consequências da doença. “A cura que ele conseguiu não foi terrena, mas espiritual. Meu pai se livrou da dor e descansou nos braços de Deus”, conta a filha Luciana. Dois meses após a morte de Ivo, ela e a família decidiram montar uma pequena barraca na rodovia, durante a Festa do Divino Pai Eterno. No espaço de apenas 2 metros quadrados, iluminado por lampiões, com água trazida em cumbucas e galões, passaram a preparar café da manhã, almoço e jantar para os romeiros. O pai de Ivo, que tinha 94 anos, foi um dos que mais trabalharam no local. No final de 2016, o patriarca da família também morreu de câncer. Apesar do luto, Luciana e as irmãs não desistiram da Barraca da Solidariedade. Hoje, o local ocupa 25 metros quadrados, conta com energia elétrica e apoio do governo do Estado – por meio da vigilância da Polícia Militar – e da Prefeitura de Trindade, que realiza a coleta de lixo e o abastecimento de água com caminhões-pipa. A alimentação, no entanto, é garantida por meio de doações, e o atendimento ao público é feito por voluntários. É o caso de Fátima, por exemplo. Aposentada, com 64 anos, passou pela barraca durante caminhada da fé, em 2024. Enquanto estava sentada, fora abordada por Luciana, que lhe pedira ajuda na cozinha. “Não parei mais. Agora, venho todos os dias da festa trabalhar aqui”, diz.Fátima não esquece histórias como a de dois idosos, de 78 e 77 anos de idade, que vieram a pé de Rio Verde a Trindade, durante a Romaria. “Pararam para comer e beber água, depois seguiram em frente, com uma disposição invejável”, conta. Outra voluntária da barraca, Lindamar, de 62 anos, também já testemunhou atos de devoção ao Divino Pai Eterno emocionantes.“Em 2024, um senhor veio da Paraíba a pé, carregando uma cruz. O percurso durou um ano e a cruz estava cheia de fitinhas, que as pessoas amarravam por onde ele passava. Também atendemos um romeiro que saiu de Goiatuba, fazendo a caminhada descalço. Os pés estavam em carne em viva, mas ele garantiu que só pararia quando chegasse à Basílica de Trindade”, lembra.Conheci a Barraca da Solidariedade na última segunda-feira. Assim como eu, as pessoas se espantavam ao saber que a costela com mandioca, o arroz e o feijão quentinhos, o café coado na hora, a água e as frutas eram de graça. Quando Luciana contava o propósito do local e o desejo do pai, muitas se emocionavam e faziam doações para que a iniciativa ajude mais gente. Ivo não era santo, mas fez milagres. Como Jesus, multiplicou os pães e os peixes, que hoje alimentam quase 40 mil romeiros. Como Davi, no Salmo 23, ensinou a quem passa por ali que o Senhor é seu pastor e nada lhes faltará. Em meio à caminhada tortuosa, permitiu que possamos nos deitar em verdes pastos, ser guiados mansamente a águas tranquilas e experimentar o refrigério da alma.