Nelsinho, não o devasso vampiro de Dalton Trevizan, mas um outro inventado ou copiado por mim para escamotear em falsa ficção coisas que de fato vivi, foi ao shopping. É um gesto temerário de se fazer por esses dias. No comércio, pré-Natal tem significado inverso da Medicina: enquanto um prenuncia a vida, outro nos faz desejar a morte. Depois de vencer o cenário quase apocalíptico dos corredores, Nelsinho enfim entrou na loja de cabeleireiro, lá no segundo piso. Foi quando Cris com Agá – era assim que estava no crachá – sorriu para ele. Era cedo demais para se render àquela segurança cálida, mas, quando emocionalmente vacilantes, qualquer atenção nos tem aspecto maternal.— Posso ajudar?Cris com Agá podia ajudar, e muito. Nelsinho mantém reputação de homem sensível, meio poeta, mas, a rigor, é um brutamontes. Via-se acuado sob o universo feminino que, um tanto por impaciência, outro pela empáfia de quem se tem por elevado demais para assuntos pueris, nunca se esforçou em compreender.Se tivesse retribuído a gentileza das namoradas que se empenharam em coletar informações sobre o clubezinho para o qual ele torce fervorosamente, saberia mais sobre rituais de cuidado capilar e não estaria naquela situação de extrema vulnerabilidade diante da Cris com Agá.– Preciso de uma escova secadora, que gira sozinha, sabe? — suplicou, escandindo cada sílaba, tal a ignorância sobre as especificações técnicas do aparelho que decidira comprar ao ver a mina dele sofrendo para se montar nas festas de fim de ano da firma.Cris com Agá espremeu as pálpebras para conter os lábios que se arqueavam em sorriso, porque vislumbrou ali uma oportunidade para o atingimento da meta de dezembro. Na prateleira da loja, só havia dois modelos, no triplo do preço médio indicado em pesquisas no Google e na Amazon. Mas Nelsinho já se ardia em ansiedades e, se aquela escova secadora fosse à prova de descontentamento, topava pagar.– Essa aqui me parece ideal — recomendou a Cris com Agá, propondo parcelamento em dez vezes para estancar a tremedeira experimentada por Nelsinho ao passar os olhos pela etiqueta com o preço.– Ok, mas e essa voltagem, de 500 watts? É boa? Segura a onda? — ponderou Nelsinho, mostrando que algo além do valor lhe roubava o sossego.— Tua mulher é cabeleireira? Vai usar a escova profissionalmente?— Não, é para uso pessoal.— Então confia, vai que dá. Ela vai amar!Com passos arrastados, Nelsinho foi se dirigindo ao caixa com o cartão de crédito em punho, experimentando um alívio que se mostraria precipitado.Agora Nelsinho chamou o Uber. Está na calçada, ladeado pela mina, que carrega a sacola com a escova secadora que gira sozinha. O cabelo dela é grosso, “500 watts não dão nem para a saída”. Rumina um sentimento de fracasso e se penitencia, não só porque vai ter de voltar ao ambiente convulso do shopping para trocar o presente. O que lhe desatina foi ter confiado tão cegamente na Cris com Agá. Por quê!? Aí lembrou que a esperança da nossa democracia está na mão de gente que pega carona em jatinho de réu que vai julgar, e se perdoa.Para quem está se afogando, jacaré é tronco.Alexinho teve a esposa.Tofoli foi de avião.é não de gente assim que a democracia ficou.