Uma famosa de que nunca ouvi falar (não consigo acompanhar o crescimento exponencial do número de celebridades algorítmicas) contou, em entrevista, que por algum tempo teve um perfil em um desses sites de conteúdo adulto, especializados na venda de vídeos e fotos íntimas.Mas não eram quaisquer fotos íntimas que ela vendia, eram fotos de seus pés. E alguém pagava para tê-las? Assegurou a famosa que sim, que ganhou muito dinheiro com a venda, mas que as exigências de seus clientes estavam se tornando cada dia mais bizarras. Não desejavam as fotos de seus pés limpinhos, bem cuidados, com as unhas pintadas de vermelho, nude ou à francesinha.Os podólatras, como são designados os que têm fetiche por pés, reivindicavam as solas sujas, pretas mesmo de imundície, ou os pés enfiados na lama, em abacates maduros e em outras substâncias viscosas. Manifestavam também predileção por cutículas arrepiadas, calos, joanetes e calcanhares rachados, dos quais ela infelizmente não dispunha para atendê-los.Se eu me metesse a explorar esse comércio, certamente atenderia aos fetichistas, uma vez que um de meus maiores desafios é manter meus pés limpos em Goiânia. Explico.Por mais que tente me manter calçada dentro de casa, não consigo, pois sou uma velha jeca-tatu, habituada desde a infância a andar descalça na fazenda e a colecionar bichos-de-pé. Hábito agravado com o período em que vivi em Jericoacoara, Ceará, onde só andava pisando areias, escapando, porém, misteriosamente, ilesa dos bichos geográficos, fartos por lá.Até tento calçar chinelos, mas a tentativa é vã, pois mal os deixo repousando em algum lugar, minha cachorrinha Aurora trata de sequestrá-los. Cães têm a mesma tara por chinelos que os podólatras por pés. Além de sair correndo com os chinelos, ela os esconde, de modo que raramente encontro um par. Acabo por calçar cores e modelos diferentes.Uma vez em Jeri, não encontrei um único para calçar e só depois de muitos dias, descobri que Aurora tinha feito um ninho com eles, como se fossem seus filhotes. Estava com gravidez psicológica a pobre! Nem só seres humanos padecem de problemas psicológicos.Você poderia pelo menos manter o piso limpo, sua porca! – alerta-me o superego! Mas o mando calar a boca, que tenho mais o que fazer além de livrar a casa do pó escuro do asfalto. Tenho por exemplo de perguntar à DeepSeek, inteligência artificial chinesa, se existem, além dos tarados por pés, os tarados por olhos.Imagino que sim, pois andam até comprando íris de pessoas por aí por 600 dinheiros, sabe-se lá com qual finalidade. E se de repente eu vendesse meu olho? Não qualquer olho, mas meu olho roxo. Explico também.Semana passada, por culpa de Aurora, que começou a choramingar de madrugada, ao lado de minha cama, para que eu a deixasse subir, tive um pequeno acidente doméstico. Abaixei-me para pegá-la no escuro e dei de testa com o climatizador.Doeu, sangrou. Estanquei o sangue, mas voltei a dormir. Na manhã seguinte, nada demais. O pequeno corte já cicatrizava. Mas um dia depois, o sangue tinha descido, ficaram roxas as pálpebras e uma mancha escura se formou sob o olho esquerdo, como se eu tivesse levado um soco.Desesperei-me. Livrai-me, Santa Luzia! Fui a um pronto-socorro de olhos e o médico me tranquilizou. Nenhuma lesão no olho. Ufa!Ufa, nada! Que naquela semana eu havia me matriculado em um curso intensivo de forró e lá fui eu dançar com cara de espancada.Dizem que demora um mês para o roxo sumir. Até tive a tentação de postar nas redes sociais uma foto, mas resolvi, menos poupar os amigos, do que guardar essa belezura para lucrativas transações futuras. Há por aí uns praticantes da Oculofilia, que têm fixação por globos oculares. Gostam de tocar, lamber e chupar os olhos dos outros. Eco! Que nojo!