O sol do Rio, mesmo coado pelos morros, me tingiu a vista de um bege fumegante, lindíssimo. Mas nada resplandecia mais naquele entardecer do que teu distintivo, que avistei ao adentrar no Maracanã. A respiração vacilava, curta, muito pela emoção, mas também pela escalada até a arquibancada superior, onde acomodaram nossa gente. Dali, hipnotizado pelas tuas cores no placar eletrônico que uns meses antes servira à final da Copa, pensei, exultante: “Que clubezinho atrevido, tchê!”Não sinto amargura quando lembro da peleia contra o Flamengo, mais de uma década depois. Sou capaz de reconstituir mentalmente cada segundo daquele 18 de março de 2015. Dias assim nunca terminam de acontecer em nós, e tu me deste semanas de eternidade. Quando ignoras a sentença de fracasso na cancha e ofereces um hiato de alegria, sinto a densidade do amor que te orbita. Sou um sujeito meio nômade; amarrei cavalo em muito rincão e de cada um me fui choroso, deixando amigos. Nesses atrevimentos esportivos bissextos, tu me devolve os afetos esparramados na estrada. Todos se lembram de mim – e isso, índio velho, compensa as taças que tu és incapaz de erguer. Te perdoo, porque tu és uma parte determinante de quem sou. Nunca me deixas esquecer de onde eu vim, nem dos que saíram da vida depois de me inocular essa barra que é gostar de você, ou de ti, como dizemos na terrinha.Então não cabe frieza quando, no inverno de 2025, leio no zap uma súplica de doação, para que possas honrar o último compromisso pela última divisão do nacional, na qual não tiveste a decência de passar da primeira fase. Eu sei que há temporadas tu convertes o final do contrato dos jogadores em trabalho voluntário – unilateralmente, sugere a montanha de processos na Justiça do Trabalho. Mas me custa crer na grana curta para ir à Itajaí, uma viagenzinha mixuruca, tão perto do Brasil cinza e úmido onde o poeta da nossa terra, Vitor Ramil, formulou a estética do frio. Dói, porque te vi guerrear em calores distantes.Testemunhei tua coragem sob a chuva de julho no Recife, sob a secura de dar hemorragia nasal de Brasília, sob a ventania marítima de Cabo Frio, sob o aroma do tropeiro no Mineirão. E não penses que te usei como pretexto para fazer turismo em lugar fofo. Te vi perder nos pênaltis, espremido naquele mundo de concreto e gente do Serra, contra o Vila. Te vi em lonjuras bárbaras. Como é que deixamos faltar dinheiro para chegar em Santa Catarina, tchê?!Fim de semana ganhamos uma taça, finalmente. Uma alegria ancestral represada irrompeu. Foi a última peleia que disputamos do jeito que meu pai me apresentou para ti, do jeito que aprendi a te amar. Agora, uns caras que andavam rondando a Baixada te fatiaram em dez pedaços, e vão ficar com nove para eles. Falam de ti com verbos da Faria Lima, o que me dá medo. Empresas morrem, eu sei, mas tu és uma singularidade irrepetível. Se te matam, nada do que a humanidade inventar vai preencher os vazios de nossos domingos.Bueno, vivemos um totalitarismo sutil: igrejas, escolas, pessoas, tudo é empresa, e existe para gerar valor monetário. Ninguém tem escolha, caímos como boi no brete nessa armadilha. Mas, contigo, jamais conseguirei ser racional. Aceito qualquer arranjo que me permita alimentar devaneios enquanto, sobre um gramado, houver tua camisa vermelha, teu calção preto e tua meia branca, precocemente encardida.Em troca dessa angústia, só te peço uma coisa: siga existindo.