O ciclo das estações se impõe novamente: basta o zunzum das cigarras e o vaivém dos pássaros migrando como mensageiros para sentir o recomeço do ciclo. O Cerrado respira, abre-se ao verde que logo tomará conta da paisagem. Em abril passado, porém, era outra a primavera e outros os sentimentos, quando passei alguns dias em Lecce, no sul da Itália. Lembro-me do instante em que a poesia de Leopardi me visitou na varanda do apartamento alugado, próximo à Porta San Biagio. O voo das andorinhas me remetia ao poema À Primavera: “Primavera perfumada, inspiradora de ternos pensamentos”. Se no poeta de Recanati domina a melancolia, em mim reinava plenitude. Aos 70, celebrando 50 anos de vida em comum, deixei-me invadir por esse ritmo da estação. Bom saber que não sou, como Leopardi, um “pardal solitário”. Viajar a dois, em idade avançada, é bênção rara. As revoadas rápidas das andorinhas eram moldura natural do nosso ritual: um copo de Prosecco, algumas castanhas, a conversa calma de quem aprendeu a se ouvir. Era espetáculo íntimo, como se a cidade tivesse reservado um camarote secreto só para nós.