Na minha última crônica neste jornal, falei sobre a multiplicidade da existência humana — e da minha, em especial — a partir de Harry Haller, protagonista de O Lobo da Estepe, de Hermann Hesse. Já havia me convencido de que muitos Ricardos habitam em mim. E que bom que isso não era esquizofrenia. Melhor ainda, que presente era poder ser quem me conviesse, quando me conviesse, e encontrar na literatura uma boa justificativa. Se alguém me chamasse de doido, responderia: “Você já leu O Lobo da Estepe? Não? Então, por gentileza, faça o favor de não encher o meu ilustre saco!” Pois bem. Após Hermann Hesse, resolvi ler O Visconde Partido ao Meio, de Italo Calvino, certo que me depararia com uma fábula inocente. A narrativa é ótima, ágil e fácil. Mas, a despeito de pinceladas divertidas, de inocente o conto não tem nada. Ao contrário, a narrativa refez o nó desfeito por Hermann Hesse — e apertou-o um pouco mais.