Sento-me ao teclado sem um pingo de vontade de escrever coisa nenhuma. Mas já sei que, quando começar, vou achar bom. Esqueço da vida, escrevendo, mesmo sabendo que só escrevo sobre ela, a vida, em seus becos, em seus escaninhos, em seus ecos e fragmentos, a vida. Mas antes de chegar aqui, de frente ao teclado, onde, presumidamente, sou dona de mim mesma, já lavei o resto de louça na pia da cozinha (o corretor escreveu louca ao invés de louça, e talvez esteja certo), já fiz minha cama pois ver cama desarrumada me faz um secreto mal, já fui ver se as plantas estão bem, já penteei o cabelo cada dia mais branco, fiz todas essas coisas que mulheres fazem dentro de casa. Talvez seja por isso que a Virginia Woolf tenha escrito Um Teto Todo Seu, sobre a mulher não ter um lugar para escrever, um lugar que seja só dela. Porque casa, para a mulher, sempre foi local de trabalho. Tudo é filho, tudo é marido, tudo é almoço e jantar e o dia seguinte, e roupas pra lavar, pendurar, guardar. Tudo é ir à feira e comprar, comprar, comprar comida para os outros e para si própria. Vida de mulher, bolsa de mulher, a casa que é principalmente da mulher. E os dias, as tardes, as frutas se perdendo na fruteira, meu coração envelhecido, e o vento que encheu a casa de poeira, Cristo amado!