O sol nasce cedo na Bahia onde estamos passando alguns dias e me lembra os dias de calor do meu primeiro ano de universidade em Goiânia, quando um ventilador era um item de luxo fora do meu alcance em meio a muita luta pela sobrevivência na capital. Por outro lado, morava na Casa do Estudante Universitário, próximo ao bandeijão do Restaurante Universitário e ao lado da Biblioteca Central que ainda não se transferira para o Câmpus 2. No bandeijão, a comida era sofrível, mas era a grande refeição do dia.As rotinas, as matérias do curso de Física, as aulas que eu tinha de preparar e ministrar – tudo, enfim, na luta cotidiana não me deixava tempo para reuniões de estudantes ou passeatas. Fico sabendo pelos colegas mais engajados que “rola solta a repressão” aos oponentes do governo e bastava a posse de um livro de esquerda para ser preso e torturado.Pelos jornais, tomo conhecimento que o presidente Garrastazu Médici se encontrou com Alfredo Stroessner para construir a maior hidrelétrica do continente, que Ricard Nixon foi eleito presidente dos EUA – para logo depois perder o cargo por meio de um impeachment, e que Pinochet havia deposto o socialista Allende no Chile.Meus desafios e necessidades eram mais comezinhos e as demandas pessoais mais urgentes do que qualquer evento do grande cenário geopolítico nacional e internacional.Apesar do baixo astral entre os estudantes, havia momentos de grandes alegrias: o Vila Nova, meu time do coração, nos premia com o título de campeão goiano de futebol daquele conturbado 1973 e ainda se sagrou campeão brasileiro de basquetebol.Os jogos daquela histórica temporada aconteciam na Esefego, que ficava a uma curta caminhada da Praça Universitária. Um dia desses encontrei o Doínha, atleta que com seu cabelo black power jogava muito bem e me marcou naquela era de ouro do Vila.Passava longe de mim a visão de me tornar escritor ou poeta, mas já era um leitor ávido que usava todos os minutos do trajeto nos ônibus para ler os livros que pegava emprestados na biblioteca. Assim seguia minha vida de jovem pobre em formação, firmando a crença de que o indivíduo (e sua consciência) pode prevalecer ao poder do grupo, da coletividade.O compositor espanhol, que era cego desde a infância, Joaquin Rodrigo, autor do Concerto de Arranjuez, composto em meio à guerra civil espanhola, foi acusado de alienado por passar ao largo das questões políticas. Para mim, foi (e continua) valioso seu conselho sobre a vida e a arte:“Para mim, a maior virtude de um artista não é função direta da arte que ele cultiva: esta virtude é a fé. Acredito que sem fé na arte que se exerce e sem a Fé ela própria, as nossas imagens artísticas serão falsas e, portanto, carecerão de personalidade – o que, em suma, é o que tem valor de permanência”.Olhando os fatos em retrospectiva, vejo que a fé me alimentou nos momentos mais difíceis e me ajudou demais na montanha-russa da minha vida.