O espetáculo Cura, da diretora e coreógrafa carioca Deborah Colker, nasceu antes da pandemia. Começou a partir da busca pelo tratamento do neto, Theo, diagnosticado com epidermólise bolhosa, doença genética e hereditária rara. Ao investigar os processos curativos, a artista chegou até o caso de Stephen Hawking, que, embora acometido por uma doença degenerativa, a ELA (esclerose lateral amiotrófica), viveu até os 76 anos. Em sua nova obra de dança, Deborah trata de ciência, fé, da luta para superar e aceitar os limites. Com trilha sonora assinada por Carlinhos Brown e rodando com sua companhia por todo o mundo, a bailarina traz a sua nova grande obra para o Teatro Goiânia neste final de semana (4 e 5). Em entrevista ao POPULAR, a coreógrafa fala sobre curas, criação do espetáculo, a relação com a Quasar Cia. de Dança e política cultural. “Para a Covid-19 temos a vacina, já os saberes e as questões que estão dentro do meu espetáculo, como, por exemplo, a discriminação e a ignorância, ainda não têm cura”, expressa. O espetáculo faz reflexão sobre os processos de cura, justamente em um momento em que ciência e saúde são palavras que têm sido muito usadas ante a pandemia. Como a obra foi pensada envolvendo todos esses aspectos relacionados à cura?Eu comecei a fazer esse espetáculo em 2018 e a pandemia começa em março de 2020. Eu já vinha desenvolvendo e traçando muito o caminho e o sentido dessa obra, então, apesar da pandemia ter surpreendido a todos nós, eu sabia que a “cura” que eu estava buscando no meu espetáculo é a cura do que não tem cura. Isto é, uma investigação mais profunda que não se trata de uma questão política e sanitária. Para a Covid-19 temos a vacina, já os saberes e as questões que estão dentro do meu espetáculo, como, por exemplo, a discriminação e a ignorância, ainda não têm cura. Cura trata de ciência, fé, da luta para superar e aceitar nossos limites, do enfrentamento da discriminação e do preconceito. Cura trata de elementos, sejam eles físicos, emocionais, intelectuais ou espirituais, que o ser humano tem como recurso para buscar a cura. Até que ponto o espetáculo Cura é autobiográfico?Eu, nos últimos anos, dediquei muito tempo buscando uma cura, uma solução para a doença do meu neto. Dessa angústia pessoal nasceu meu novo trabalho com a companhia, mas, na verdade, é um espetáculo que vai muito além do aspecto autobiográfico. Porque, apesar do Theo, meu neto, ser uma das inspirações para o espetáculo, ele só tomou uma forma, só surgiu seu conceito com a morte de Stephen Hawking. Apesar de sua doença degenerativa, a ELA (esclerose lateral amiotrófica), o cientista, que tinha expectativa de vida de apenas mais três anos, viveu mais de 50 anos criativos e iluminados. Foi então que me dei conta que há outras formas de cura além das que a medicina possibilita. Foi então que entendi o que é a cura do que não tem cura. Os outros personagens foram surgindo ao longo do processo de criação e experimentação, como por exemplo o Obaluaê, o orixá da cura e da doença, que eu conheci sua história quando estive na Bahia. Então, o espetáculo começou com uma inspiração pessoal, mas transcendeu esse campo. De que forma se deu o encontro com Carlinhos Brown? Como foi criada a trilha do espetáculo?Eu pensei no Carlinhos, inicialmente, para compor apenas a narrativa da história de Obaluaê, porque eu achei que era uma coisa percussiva e ao mesmo tempo do mundo do candomblé, era uma história das matrizes africanas; então, achei que ele arrebentaria. Aí, no que eu conversei com ele, eu percebi que ele tinha de fazer todo o espetáculo. E ele criou todo o espetáculo. Tem uma música além da criação dele, que é do Leonard Cohen, que quando eu o chamei essa música já estava, e era muito importante. Na verdade, tinham duas músicas do Leonard Cohen, e acabou ficando uma só, porque a primeira música que o Brown compôs ficou deslumbrante, e acabou entrando no lugar dessa outra do Cohen. Já com Carlinhos, a gente se aproximou de uma maneira muito intensa, muito vibrante, e o leque que ele abriu de trazer sonoridades de todas as religiões, de todas as culturas e lugares. Ele é um grande percussionista, mas ele é também um grande maestro.Leia também: - Caetano Veloso faz show em Goiânia em comemoração aos 80 anos- Confira o roteiro das festas juninas em Goiânia- Oswaldo Montenegro faz show no Teatro Rio Vermelho, em GoiâniaDeborah, a Quasar Cia. de Dança é de Goiás e serve de orgulho para os goianos. Você conhece os trabalhos de Henrique Rodovalho? Tem alguma relação com a companhia?Sim, conheço a Quasar há muitos anos. É um grupo referência de dança contemporânea, que para mim é muito importante, gosto muito do trabalho do Henrique Rodovalho. Já se vão muitas décadas importantes do trabalho do Henrique com pesquisa, com uma presença forte, como uma companhia forte para o Brasil. Conheci o Henrique ainda dançando, botando pra quebrar! É uma companhia muito importante. É para os goianos se orgulharem mesmo, porque a Quasar é uma referência de dança no Brasil. Nos últimos dois anos, os profissionais da arte foram um dos mais afetados pela pandemia. O presidente vetou a Lei Aldir Blanc 2, por exemplo, que tem a proposta de amparar os trabalhadores da cultura. Como você enxerga esse cenário em ano de eleições?Não foi só a Lei Aldir Blanc que foi vetada, a Lei Paulo Gustavo também, que trata de auxílio emergencial para os artistas. Na minha opinião, é muito preocupante essa guerra contra o setor cultural e esse descaso que o País tem com a sua memória, a sua cultura. A gente, por exemplo, se sentiu muito ameaçado em relação à pandemia, pois ficamos 18 meses sem nos apresentarmos ao público, e, dentro disso, a gente teve também todo o ano de 2020 sem nenhum patrocínio. O setor cultural é um setor importante, é uma cadeia produtiva. Quando você não pensa o Brasil como um todo, você só pensa para categorias específicas, é muito perigoso, porque está tudo interligado. São laços, hoje em dia, que você precisa preservar, porque uma cadeia impacta a outra. É um absurdo a gente pensar, em termos de cultura, como um setor de esquerda ou de direita, setor cultural é setor cultural e ponto. Tem de respeitá-lo como um elo importante da produção brasileira, como uma ideia de um país, como a cultura de um país. É isso que nos remete, que nos alavanca como pátria. É uma barbaridade termos um descaso tão grande com a cultura como está sendo. As leis de incentivo público para o setor cultural passam por discussões acaloradas dentro dos espaços políticos e na internet. De que forma você vê todo o cenário?Eu acredito que essas leis são muito importantes, e sempre bem-vindas. A gente é muito a favor da Lei Rouanet, que é uma lei que já tem mais de 28 anos e que se comprovou eficaz e que hoje em dia está dessa forma, tão atacada e vilipendiada. É uma lei que proporciona ao setor uma autonomia, um grande impulsionamento das artes brasileiras, da cultura brasileira, e é um contrassenso que ela esteja como está hoje. Com a Rouanet, a gente passou a ter outro entendimento de mundo, e o mundo passou a ter outro entendimento de Brasil. Então, eu acho que qualquer lei que venha para amparar o setor é sempre muito bem-vinda. Principalmente quando se fala de pandemia, pois o setor realmente foi muito atingido, nós ficamos 18 meses sem poder nos apresentar, sem poder trabalhar. Qualquer lei que dê apoio à cultura é muito bem-vinda, apoiada e discutida. Porque tudo tem de ser muito discutido, ver os setores que realmente estão necessitados, o que que se precisa. Isso é pensar num país como uma corrente, em que todas as cadeias produtivas estão interligadas. Os artistas comem, os artistas moram, os artistas têm de pagar seus aluguéis, os artistas andam de carro, usam transporte público, então todos se beneficiam: a construção civil, a agricultura, a indústria, o transporte. Tudo é uma grande cadeia, é difícil você pensar em alguma coisa no País sem o setor cultural, que hoje é 3% do nosso PIB. Atacar essa cadeia cultural é pensar pequeno. Eu sou a favor de todas as leis que apoiem a cultura e acho um absurdo os vetos tanto à Aldir Blanc quanto à Lei Paulo Gustavo. SERVIÇOEspetáculo: Cura, com a Companhia de Dança Deborah ColkerDatas: Neste sábado (4), às 21 horas, e domingo (5), às 19 horasLocal: Teatro Goiânia – Av. Tocantins, esquina com Rua 23, CentroIngressos: Plateia inferior e R$ 200 (inteira) e R$ 100 (meia); plateia superior a R$ 160 (inteira) e R$ 80 (meia), e plateia superior (ingressos populares) e R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia)Vendas: www.sympla.com.br e Komiketo da Av. T-4, Setor BuenoClassificação indicativa: Livre