No elevador, a conversa entre duas vizinhas era sobre a cantora Rita Lee, que morreu no último dia 8. “Fiquei impressionada com o marido dela. Cuidou da esposa até o final”, disse uma delas. “Câncer é uma doença difícil. Não é qualquer um que se dispõe a segurar a barra do parceiro. Sei de muita gente que pulou fora do casamento nessa situação”, completou a outra. De fato, Roberto de Carvalho emocionou o público com seu amor por Rita Lee, sobretudo em uma de suas recentes entrevistas à TV, onde chorou em diversos momentos. No entanto, é interessante perceber como ele também chama a atenção pela atitude de fazer questão do afeto, do convívio e do cuidado com a mulher, mesmo nos piores momentos.Lembrei-me de um vídeo do padre Fábio de Melo, onde ele falava sobre o amor e a inutilidade. Na ocasião, ele observara que, muitas vezes, aqueles que nos cercam não amam a nós, mas o que fazemos por eles. Somos amados enquanto temos alguma utilidade para o outro. E alertara: “Só nos ama, só vai ficar até o fim, aquele que, depois da nossa utilidade, descobrir o nosso significado”.Talvez seja por isso que tenhamos tanto medo de envelhecer e adoecer. Nessas horas, quando geralmente ficamos limitados e não podemos oferecer nada em troca, é que percebemos com clareza quem reconhece nosso valor. É o momento de enxergar aqueles que, para além dos benefícios que proporcionamos, nos amam pelo afeto, partilha a amizade que representamos. A construção do nosso significado da vida do outro depende de nós e de uma dose de sorte. A nós cabe cuidar com carinho da relação, ofertando colo, escuta, respeito e disponibilidade. Ao destino cabe a tarefa de permitir que toda essa dedicação floresça no coração daqueles com quem nos relacionamos, pois o fato de a semente ser plantada não implica que a árvore crescerá e criará raízes sólidas.Além de fazer nossa parte, só nos resta torcer para que nosso afeto frutifique no coração do outro, como Rita Lee fez com sua família. O relato do filho João Lee, que compartilhou nas redes sociais o retorno à casa dos pais pela primeira vez, depois da morte da mãe, deixa claro que a dor da ausência da cantora não é maior do que o amor e a força que ela simboliza para ele.“Saí do carro e fiquei em pé olhando para a casa. A casa em que passei os últimos dois anos. A casa onde vivi momentos difíceis e momentos tão especiais. Não conseguia dizer nada. Foquei em meus ouvidos extrassensíveis. Quem sabe ouviria o som da natureza, dos bichos, sei lá, algo que me trouxesse calma. No entanto, só consegui ouvir um silêncio absoluto”, contou João. Depois de viver o impacto inicial do vazio trazido pela ausência da mãe, João percorrera a casa, tentando se conectar com ela. “Visitei todos os ambientes e cantinhos onde ela costumava ficar. Jantei sentado no lugar onde ela jantava na mesa, assisti à TV no seu lugar no sofá, fui ao quarto dela, abracei e cheirei suas roupas, deitei-me na cama e olhei para as estrelinhas do teto”, relatou ele. Apesar do tour completo pela casa, João foi dormir sem ter conseguido o que mais queria: sentir a presença da mãe. Frustrado, ele decidiu sentar-se para ler o novo livro da cantora, lançado nesta segunda-feira e intitulado Outra Biografia. A obra documenta a descoberta do câncer que acabou levando-a à morte e toda a intimidade do processo do tratamento. Ao terminar o livro, João encontrou o que tanto procurava: a conexão com a mãe. As memórias de Rita Lee reforçaram ao filho seu significado e lhe trouxeram conforto e paz. O amor, mesmo na inutilidade, é de grande serventia. Ele dá sentido à vida, iluminando cada momento em que se faz presente, e à morte, preenchendo com gratidão e aprendizado o vazio deixado por quem partiu.