O ano era 2016. “Perdi minha filha, Helen, ainda jovem, com 20 anos, por suicídio. Com a sua partida, dessa forma tão trágica, comecei a buscar respostas para o ‘sair de cena’ dela”, conta a publicitária e autora Sonia Ferreira. Por meio de vários cursos na área de saúde mental, suicidologia, prevenção, posvenção e manejos do suicídio, Sonia teve conhecimento do quanto o suicídio juvenil se apresentava expressivo, levando cada dia mais jovens.“Pude compreender como o suicídio é multifatorial. A falta de pertencimento que a pessoa se encontra, sem conseguir vislumbrar nada a sua frente. A dor dos familiares, sobretudo das mães, quando se perde um filho, tão jovem, muitas vezes sem deixar um sinal.”Sonia aprendeu muito sobre o assunto, mas teve um insight fundamental em meio a isso tudo: além de informação, ela precisava ser acolhida. “Busquei ajuda por meio de grupos de acolhimento e constatei que em Goiânia, ou mesmo no Estado de Goiás, não havia nenhum com esse fim. Após três meses da perda da minha filha, o Grupo Renascer já estava criado com a ajuda de alguns profissionais na área da saúde mental”, conta.Hoje, são mais de 50 enlutados integrantes, entre mães e familiares. O grupo realiza reuniões presenciais e acolhimento pelo WhatsApp. Diante da sua experiência pessoal, da troca com outros familiares enlutados e após as pesquisas sobre o tema, ela publicou o livro Suicídio Juvenil - Como Reconhecer os Sinais, realizado com apoio de levantamentos feitos com profissionais da área da saúde mental e dados de cartilhas, manuais e informativos de órgãos competentes sobre prevenção ao suicídio juvenil.“Depois dos estudos, percebi os muitos sinais que minha filha havia dado. Mas por não ter ao menos um pouco de conhecimento sobre eles, eu não consegui tentar ajudá-la”, observa. “Acredito que o acesso às informações sobre esses sinais atípicos nos jovens, momentos de dor onde eles não encontram saída, com uma grande dificuldade em externalizar esses sentimentos, poderá ajudar muitas famílias a fazer algo por esses jovens”, diz.Leia também:- Casos de ansiedade e depressão caem na 4ª onda da Covid - Saúde mental de 38% dos brasileiros piorou na pandemia TabuO dia 10 de setembro é oficialmente o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, razão pela qual este mês é todo dedicado à campanha. As ações, no entanto, ocorrem ao longo do ano todo. O Setembro Amarelo é organizado desde 2014 pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), com o objetivo de acabar com o estigma em torno do assunto e contribuir para a diminuição do número de ocorrências no país de pessoas que, em razão do sofrimento psíquico, cheguem a idealizar, planejar e atentar contra a sua própria vida.Abordar a temática, no entanto, vai ao encontro de uma expressiva barreira na nossa sociedade. O suicídio ainda é tratado como tabu, mesmo que seja um importante problema de saúde pública – mas não deveria. Falar sobre o tema é garantir a conscientização, informação, prevenção e acolhimento. “O suicídio, ainda hoje, em 2022, é visto com muito preconceito. A começar por algumas igrejas. Quem tira a vida, para muitas delas, não é merecedor de uma ‘vida de paz’ após a morte”, comenta Sonia Ferreira. “Os familiares que passaram por essa perda trágica se sentem discriminados pela sociedade, que ainda vê o suicídio como sinônimo de loucura. Falar sobre o suicídio com o filho também é complicado. Que mãe tem coragem de perguntar ao filho se ele deseja se matar?”, observa.“Ao longo de toda a história, o suicídio não foi entendido na sociedade como um processo de adoecimento, de múltiplas causas. Tem até religiões que realizavam enterros separados, a vítima era estigmatizada”, aponta a médica, clínica geral e sanitarista Marta Maria Alves da Silva, servidora do Hospital das Clínicas da UFG e da SMS/Goiânia. “Por esse não entendimento, o assunto virou um tabu. Se tornou uma punição não falar sobre a pessoa que se matou: ela não tem direito de ser relembrada por ter tirado sua própria vida”, explica.Ao longo dos anos, compreendeu-se o suicídio como um processo de múltiplas causas, que era preciso acompanhar e tratar essas pessoas. “E aí surgiu o mito de que falar sobre o assunto vai induzir outras pessoas, fazendo com que elas acabem se matando também e, por isso, precisa ser silenciado”, diz. Ela aponta que o que o conhecimento científico e as evidências identificadas pela sociedade mostram, no entanto, é o contrário. Que é preciso, sim, falar. O não falar contribui para um outro quadro: quando a família ou pessoas próximas não conseguem compreender, diminuem e banalizam o que a pessoa em sofrimento psíquico diz.“Essa banalização e o silêncio vem do desconhecimento de achar que está protegendo se não abordar o assunto. Isso na verdade tira a possibilidade do encaminhamento para uma rede de proteção”, aponta Marta. Ela exemplifica a explicação com algumas frases de alerta: “Eu preferia estar morto”, “Eu não aguento mais”, “Sou um peso para os outros, um perdedor”, “Os outros serão mais felizes sem mim”. Essas frases, segundo a especialista, chamam atenção porque mostram que a pessoa está em sofrimento psíquico e precisa ser cuidada. “É preciso conscientizar as pessoas próximas e a população em geral de que o suicídio é evitável e prevenível por meio da identificação precoce de sinais e sintomas que podem vir a consumar o ato”, diz.“Esse estigma se desenvolve a partir da nossa própria dificuldade de lidar com o tema da morte”, aponta Cida Alves, psicóloga especialista em atendimento de pessoas em sofrimento mental decorrente de situações de violências. Tanto ela quanto Marta diferenciam o estigma do chamado efeito do contágio. “E, por conta desse efeito, existem recomendações de prevenção ao suicídio para que a gente nunca publique fotos, detalhes do método utilizado, glorificação da pessoa que se matou, não atribuir culpas nem divulgar locais de suicídio no sentido de proteção da virulização”, aponta Marta.A Organização Mundial da Saúde (OMS) desenvolveu uma cartilha chamada Prevenção do Suicídio – Um Manual para Profissionais da Mídia, com diretrizes de como noticiar casos de suicídio. “Sabemos que existe o fenômeno do contágio social, quando notícias, filmes, livros, produções culturais que tratam do tema do suicídio, dependendo da forma como é abordado, desenvolve o efeito de contágio. Mas, às vezes, nesse excesso de cuidado, se bloqueia qualquer tipo de informação”, observa Cida. “E é fundamental repassar essas informações para as famílias, educadores e a comunidade no sentido de atentar-se para sinais e sintomas, quando procurar ajuda profissional. O trato da informação não pode ser negado, mas o como se falar”, destaca.