“Quando vivemos a sonhar amores, quando não temos a ilusão perdida, quando nossa alma não padece dores. Morrer é triste! Como é linda a vida!” Os versos do poema Símile abreviam muito bem - e obrigado - a obra de Leodegária de Jesus (1889–1978), poeta goiana que serve de eixo central para o documentário Entre Luz e Câmera: O Audiovisual em Leodegária de Jesus, dirigido pela cineasta Rosa Berardo. O filme será lançado nesta sexta-feira (9 de julho), às 20 horas, no canal do YouTube do Instituto Federal Goiano.Uma das personagens que pulsa memória e tradição na literatura goiana, Leodegária de Jesus foi a primeira mulher a publicar em Goiás. Nascida em Caldas Novas, morou na cidade de Goiás quando o município ainda mantinha o título de capital do Estado. Era amiga pessoal de Cora Coralina. Preta, de origem humilde, a poeta e sua obra ainda estão sendo descobertas pelos goianos. No documentário de Rosa Berardo, é possível acompanhar os diversos olhares sobre a escritora, com depoimentos, imagens de arquivo e trabalho em animação da antiga Vila Boa.“É um filme pedagógico que tem como objetivo estimular a discussão sobre racismo, machismo, misoginia e a opressão que a mulher preta ainda sofre atualmente”, explica a cineasta. O documentário, que conta com apoio do Fundo de Arte e Cultura de Goiás, estará disponível nas redes sociais e canais do YouTube de Rosa para estudantes, pesquisadores e público em geral. A ideia é repassar o nome de Leodegária como uma das maiores escritoras goianas.Diversos recursos audiovisuais foram pensados por Rosa Berardo para compor o curta-metragem. Em termos técnicos e estilísticos, trata-se de um documentário híbrido que une animação e performance interpretativa da dançarina goiana Gleyd Lopes. “A construção da narrativa só foi possível graças à generosidade das pesquisadoras e pesquisador, todos negros, de Goiânia e Goiás”, aponta Rosa.Nomes como a professora e militante Elenízia da Mata, a doutora Tania Ferreira Rosende, da Universidade Federal de Goiás, e o professor Wanderson Barbosa, falam sobre o legado da poeta para os goianos e apresentam informações sobre o contexto racial que Leodegária transitava. “Todos os entrevistados falaram com propriedade não apenas de conhecimento histórico e literário, mas com a consciência de classe negra, adquirida por meio da opressão racista que sofreram e ainda sofrem em nossa sociedade”, destaca a diretora.O filme faz um retorno até a primeira metade do século 20, na casa de número 9 da antiga Rua das Violas, atual Rua Senador Canedo, local de morada de Leodegária. Foi lá que a poeta publicou, ainda adolescente, a obra Corôa de Lyrios (1906), um dos marcos da poesia goiana. Em 1910, se mudou para Catalão e, posteriormente, para Minas Gerais. Hoje, no local funciona o espaço cultural e residência artística Casa de Leodegária, reformada em 2018.Legado“Leodegária de Jesus é uma fonte de inspiração para a comunidade negra do Brasil e de todo mundo porque ela não desistia, era alguém que não cedia às pressões sociais, não cedia às pressões do mundo. Leodegária é um exemplo de resiliência e resistência”, explica o filósofo, tradutor e escritor Wanderson Barbosa durante o filme. De acordo com o pesquisador, a poeta enfrentou o estigma de ser mulher e negra em uma sociedade racista do início do século 20.Além de depoimentos e informações sobre a escritora, Rosa também tratou de destacar poemas da obra de Leodegária que caracterizam seu trabalho na literatura. Ao som de versos de poesias da autora, a bailarina Gleyd Lopes promove uma performance que dialoga com as temáticas apresentadas no curta-metragem. “Leodegária foi capaz de deixar um legado muito singular e importante, que faz com que nesse momento da história nós estejamos olhando para o passado, entendendo mais sobre essa mulher”, argumenta a pesquisadora Elenízia da Mata.Olhares do cinema Diretora por trás de filmes como Sem Retorno (2019), Alarme Falso (2017) e Os Meninos Verdes (2015), Rosa Berardo atua como cineasta e professora na Universidade Federal de Goiás. Criou o projeto Maison du Cinema, um ateliê de ensino teórico e prático de audiovisual para a realização de curtas-metragens de ficção e animação em stop motion. Suas diversas produções, assim como outros projetos na área de arte e cultura, estão disponíveis gratuitamente na internet por meio das redes sociais. “Minha trajetória acadêmica e artística constitui-se de uma tentativa de criação de sentidos e significados por meio de imagens fixas e em movimento para representar o mundo, pessoas, lugares, culturas e geografias”, destaca a cineasta. Mais recentemente, Rosa disponibilizou na internet a publicação digital Olhares, Representações e Identidades, com mais de 200 fotografias feitas em várias culturas do mundo, como Himalaia, Índia, Tibet, Xingu, os Calunga, na Chapada dos Veadeiros, as romarias de Goiás, além da fauna e flora no Canadá. -Imagem (Image_1.2281240)