Um nariz entupido, ficar sozinho em casa por muito tempo e até mesmo o ato de dirigir. Por muito tempo, situações absolutamente comuns do cotidiano despertavam no compositor Celi Júnior, de 27 anos, sensações de angústia, ansiedade e pânico. Ele não sabia, mas eram gatilhos capazes de disparar uma série de reações emocionais. “O que mais me ajudou a superá-los foi o entendimento, mas sempre é possível surgir algo novo. A terapia com um psicólogo é de extrema importância. Mudou minha vida”, ressalta o rapaz, que criou o perfil no Instagram @ansiedadefalante com depoimentos e visões de como lidar e conviver com a ansiedade.O termo “alerta de gatilho” se popularizou, nos últimos anos, principalmente entre os jovens nas redes sociais. Em fóruns que reúnem vítimas de abuso sexual, por exemplo, é comum ver os dizeres antes de uma publicação com relato de abuso. O objetivo é prevenir leitores desavisados de que o teor do material é forte e pode fazer quem passou por traumas semelhantes reviva suas sensações de sofrimento. A origem dos gatilhos, termo comum da psicologia, são sempre experiências traumáticas que foram acumuladas ou mal resolvidas ao longo da vida.Psiquiatra e psicoterapeuta, Lucena Rosa explica que os gatilhos colocam em movimento emoções, sentimentos e reações que variam em cada indivíduo em intensidade, duração e nas consequências, com sensação de desconforto e sofrimento. “Todos nós podemos ter gatilhos emocionais. Cada um lida com eles de acordo com seus recursos e estratégias mentais. As reações são variadas como raiva, medo, tristeza, choro, desespero, vergonha e vícios”, explica. Em casos mais extremos, as pessoas podem ter crises de ansiedade, ataques de pânico e o agravamento de quadros de depressão ou de outras doenças mentais.O reconhecimento das causas do trauma e o diagnóstico correto propiciam um tratamento mais eficiente para cada caso. Quanto mais precoce o diagnóstico e a intervenção, melhor os resultados. “É necessário compreender o que está acontecendo com quem está experienciando o gatilho. Tomar consciência do que desencadeia o processo é o primeiro passo para buscar ajuda e tratamento psiquiátrico e psicoterápico. Essa é a melhor forma de trabalhar o trauma, buscando bem-estar e qualidade de vida”, explica a psiquiatra.O grande problema do gatilho é que nem sempre é fácil reconhecê-lo e reviver um trauma antes de superá-lo costuma ter efeitos devastadores. Mestre em psiquiatria e pesquisador no Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, Adiel Rios ressalta que um gatilho emocional é qualquer coisa - incluindo memórias, experiências ou eventos - que provoca uma reação emocional intensa, independentemente do estado de espírito atual. “Eles podem estar associados ao transtorno de estresse pós-traumático. Saber quais são seus gatilhos e como lidar com eles é um componente chave para uma boa saúde emocional”, ensina.Algumas situações comuns que desencadeiam emoções intensas incluem rejeição, traição, tratamento injusto, crenças desafiadas, desamparo, desaprovação ou crítica e sensação de insegurança. “Um passo fundamental para reconhecer seus gatilhos é prestar atenção em situações que provocam uma forte resposta emocional. Tente seguir esses sentimentos de volta às origens, pensando em outras situações que fizeram você sentir o mesmo”, ensina o médico.Outra dica importante é prestar atenção aos sintomas físicos que as emoções provocam no organismo, como falta de ar, coração disparado e sudorese. Além de compreender a origem do gatilho, compartilhar informações com familiares e amigos e procurar ajuda profissional especializada são boas maneiras de lidar e até mesmo superar o problema. “Não dá para viver fugindo de situações delicadas. O ideal é se preparar para lidar com qualquer gatilho que possa surgir no cotidiano”, explica Adiel Rios.Reviver traumas do passado Há uma enorme diferença entre lembrar de situação negativa e reviver uma situação traumática. Lembrar pode até gerar um sentimento desagradável, mas não chega a controlar o comportamento da pessoa. "O gatilho costuma disparar algo ligado a uma experiência traumática. Assim, a pessoa tem reação exagerada a uma situação que não estimula isso em outras", explica o psicólogo e psicoterapeuta Ettore Riter. Gatilhos, que podem ser internos ou externos, não são a causa da reação, mas remete a um intenso sofrimento anterior.Uma música, por exemplo, que estava tocando no som do carro no momento de um acidente pode se transformar em um gatilho emocional para quem sobreviveu à colisão. "Acionar gatilhos não é algo controlável. Qualquer coisa pode ser gatilho. O comportamento reativo que ele evoca é automatizado, inconsciente", explica o profissional. Ao contrário do que muita gente pensa, esse disparo pode ser também de emoções e sensações positivas como cheiros e sabores que remetem à infância.De maneira geral, as pessoas não dão atenção aos gatilhos. Elas apenas evitam a situação ruim que o gatilho dispara. “Em primeiro momento, ou intuitivamente, as pessoas fogem ou evitam ter contato com o gatilho. Isso parece bom em curto prazo porque evita a situação negativa, mas em longo prazo vai diminuindo a liberdade da pessoa, fazendo ela evitar tantas coisas que a vida se contrai. A ação de enfrentamento é a melhor escolha, mas isso pode ser difícil sozinho ou sem preparo”, explica. Por isso é tão importante procurar ajuda especializada para aprender a lidar com as emoções.Janeiro brancoDados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que a depressão atinge 5,8% da população brasileira e distúrbios relacionados à ansiedade afetam 9,3%. O Janeiro Branco é uma campanha que busca chamar a questões relacionadas à saúde mental e emocional, temas que ganharam maior relevância mental em meio à pandemia da covid-19. “Se não falamos sobre isso, não aprendemos. O desconhecimento e preconceito levam a não diagnósticos, não adesão a tratamento, ampliação de sofrimento emocional de quem está vivendo um mal-estar psicológico, prolongando e intensificando o sofrimento”, explica o psicólogo e psicoterapeuta Ettore Riter. Durante todo mês, diversas ações de atenção à saúde mental serão realizadas em todo País.