A palavra velho, no Brasil, está carregada de significados, geralmente negativos. Mas o que as pessoas realmente pensam, sentem e falam sobre envelhecer? Foi essa questão que levou a antropóloga Mirian Goldenberg, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a pesquisar o tema.Foram 1,7 mil questionários, 15 grupos de discussão e centenas de entrevistas para que ela pudesse sintetizar em um único texto todas as suas reflexões. O resultado do trabalho foi reunido no livro A Bela Velhice (Editora Record), no qual Mirian, que é a convidada de hoje do Café de Ideias do Centro Cultural Oscar Niemeyer, contesta mitos do envelhecimento.Em seu trabalho, que teve desdobramentos como a formação de uma banda de música e um novo livro, Velho é Lindo, que será lançado em março, a antropóloga tenta mudar a visão que as pessoas têm sobre a velhice.“O que faço é quase uma militância cotidiana. Procuro mostrar que a velhice pode ser um dos melhores momentos da vida”, contou, em entrevista ao POPULAR. No livro, que será tema da palestra em Goiânia, a professora de 58 anos parte de Simone de Beauvoir e seu célebre livro A Velhice, de 1970, para traçar um novo retrato do amadurecimento.Apesar dos estigmas e preconceitos, Mirian garante que ser velho atualmente é diferente do que era no século passado. Os velhos de 70 anos hoje são inclassificáveis, ou “ageless”, como ela gosta de chamar esta nova categoria. Na entrevista a seguir, Mirian Goldenberg antecipa alguns dos temas que serão debatidos durante o evento que começa às 19h30 e tem entrada franca.Mirian Goldenberg nasceu em Santos, São Paulo, e mora no Rio de Janeiro desde 1978. É doutora em Antropologia Social e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, além de colunista do jornal Folha de S. Paulo. É autora, entre outros livros, de A Outra; Toda mulher é Meio Leila Diniz; Infiel; Coroas e Por Que Homens e Mulheres traem? Seus livros são lidos por um público muito maior do que o costumeiramente alcançado pela pesquisa acadêmica. A senhora já estudou infidelidade, questões de gênero e agora se dedica ao envelhecimento. O que mais chamou sua atenção durante a pesquisa sobre a velhice no Brasil?Foi o pânico que as mulheres brasileiras têm de envelhecer. Elas consideram que a aparência física é um importante capital. A mulher acredita que tem que ser jovem, bonita e magra. No entanto, quando envelhecem, dizem que é o melhor momento da vida. Elas garantem que nunca foram tão livres e felizes quanto nesta fase da vida. Esse paradoxo foi o que mais me chamou a atenção na pesquisa: o medo e a felicidade. No livro A Velhice, de Simone de Beauvoir, de 1970, ela já denunciava a conspiração do silêncio que existe em relação aos velhos e o descaso com que era tratada a velhice naquela época. Passado tanto tempo por que ainda é tão difícil discutir o assunto?Na verdade, as pessoas estão sedentas em discutir esse tema. A velhice hoje não é a mesma do século passado. Naquela época, a expectativa de vida do brasileiro não chegava aos 50 anos. Hoje, a média é 75, mas tenho entrevistados que estão muito bem com 94 anos. A dificuldade em falar do assunto está no fato de as pessoas pensarem na velhice do século passado e não na de hoje. Por isso que a palavra velho continua tão carregada de estigmas negativos? A palavra velho tem um peso enorme, mas gosto de usá-la. Acho que usar outros termos como idoso, melhor idade ou terceira idade não tira o estigma dessa fase da vida. Não adianta mudar o nome. No livro, proponho um novo termo para falar dessa geração que está envelhecendo hoje, que é ageless, ou seja, sem idade, inclassificáveis. São pessoas que estão envelhecendo e que não se encaixam nos rótulos da velhice. Como você vai chamar o Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Marieta Severo, Rita Lee ou Maria Bethânia de velhos? Eles são inclassificáveis. Por que decidiu estudar o tema?Sempre quis estudar a velhice, desde muito nova. Fui para Miami, quando tinha 20 anos, e vi aqueles velhos felizes, dançando, cantando, passeando com autonomia e liberdade e fiquei fascinada. Mas tinha muito medo de sofrer porque eu tinha lido A Velhice, da Simone de Beauvoir, e achava que poderia ser um tema muito pesado. Hoje me arrependo de não ter começado antes porque tudo que aprendi para minha vida ser mais feliz, gostosa e livre em A Bela Velhice. Em seu livro, a senhora afirma que homens e mulheres envelhecem de maneira diferente. Quais são as principais características do envelhecimento de cada um?Dependendo da fase, as mulheres reclamam muito de invisibilidade. Elas se sentem ignoradas, transparentes. Os homens falam mais da dependência, têm medo da dependência física e de não terem um projeto de vida. O melhor da velhice para as mulheres é a liberdade que conquistam, sentem que podem viver o que nunca puderam antes e sem tanto medo da opinião dos outros. É um momento de libertação. Já para os homens, é o resgate de um lado afetivo, principalmente familiar, que não puderam ter quando eram mais jovens porque estavam trabalhando muito para sobreviver. Mas homens e mulheres dizem ganhar com a velhice. A senhora se sente velha?Gosto de dizer que sou velha porque no Brasil, em termos de idade, eu seria considerada velha. Mas me sinto muito mais ageless do que velha. Não gosto nem mais de falar minha idade porque não quero ser rotulada. Não me sinto nem velha, nem jovem, sou ageless. A promessa da juventude eterna é hoje vendida em frascos de cosméticos. Tem até quem se mutile e plastifique o rosto para esconder a idade. Acredita que um dia isso terá fim? Quem faz isso, na verdade, não são as pessoas mais velhas, são as mais jovens, que têm pânico de envelhecer. As mais velhas se preocupam muito mais com a saúde do que com a aparência. Quem mais se preocupa com o visual são mulheres de até 50, no máximo 60 anos. Acredita que se as jovens percebessem isso logo viveriam bem mais felizes?Com certeza. Se as pessoas enxergassem a beleza e a liberdade da velhice e, principalmente, que pode ser o melhor momento da vida, elas não se preocupariam tanto e não seriam tão infelizes. É uma pena que descobrem isso tarde, mas descobrem. Eu descobri e todas minhas pesquisadas também. Como podemos nos preparar para ter uma bela velhice?Esta é uma resposta bem individual porque se existisse a receita eu já estaria muito rica e feliz porque seguiria direitinho. Mas acho que o principal é encontrar seus projetos de vida a partir da própria vontade, aprender a dizer não e rir mais das suas preocupações. Pelo menos é o que tento fazer. Esse é o meu segredinho, mas cada um tem que encontrar o seu. Existe diferença entre as mulheres que envelhecem no Brasil e as que envelhecem em outros países como Alemanha, onde a senhora também pesquisou?Tem uma diferença enorme. Na Alemanha, as mulheres com mais de 60, 70 anos, se estão saudáveis, não falam de velhice, nem de aparência. Falam de projetos, de viagens, da casa... Aqui aos 30, as mulheres já começam a falar de decadência, de corpo e da falta de homem. Aqui a gente envelhece mais cedo psicologicamente, apesar de na aparência não envelhecer tanto assim. A sociedade gosta de enquadrar pessoas mais velhas em determinados comportamentos e aqueles que fogem do roteiro, por exemplo, namorando um parceiro mais novo ou usando uma roupa considerada inadequada, são ridicularizados. Como fugir dessa patrulha?O que minhas pesquisadas dizem é que isso realmente existe e o preconceito contra os velhos é muito forte. Veja o caso da Betty Faria que, aos 72 anos, foi de biquíni para a praia e foi massacrada. Minhas entrevistadas dizem que é preciso dizer foda-se para o que os outros pensam e viver a vida de acordo com a própria vontade. Elas têm uma postura de não se preocupar com que os outros pensam e viver a própria liberdade. Quem não tem essa força e coragem, tem mais dificuldade de viver a velhice. Café de IdeiasConferência: A Bela Velhice: desejo e medos dos homens e das mulheres na cultura brasileira, com Mirian Goldenberg Data: Hoje, às 19h30Local: Centro Cultural Oscar Niemeyer (GO-020, km 0, saída para Bela Vista)Entrada franca-Imagem (Image_1.995710)