A jornada pessoal e profissional do pesquisador, ativista e educador Lucelmo Lacerda se entrelaçaram em 2011, quando recebeu o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) de seu filho. O fato o impulsionou a se aprofundar no estudo da condição, levando-o, anos depois, a descobrir que também fazia parte do espectro. Formado em História e doutor em Educação, Lucelmo se consolidou como uma referência no tema no Brasil, não apenas por sua atuação acadêmica, mas também por sua contribuição às discussões sobre o assunto. Em seu canal no YouTube, ele dissemina amplamente o conhecimento sobre práticas educacionais inclusivas. “Em tese, a alocação de crianças e adolescentes neurodivergentes ou com alguma deficiência no ensino regular é essencial para a promoção dos ideais de inclusão social. Na prática, no entanto, a precariedade das escolas brasileiras, especialmente nas mantidas pelo poder público, cria uma lacuna de aprendizagem que limita os avanços daqueles que mais necessitam de atenção especial”, afirma Lucelmo em seu livro Crítica à Pseudociência em Educação Especial (Editora Luna Edições). Em entrevista ao POPULAR, o pesquisador compartilha uma reflexão mais profunda sobre os desafios do autismo, cujo Dia Mundial de Conscientização é celebrado neste 2 de abril. Confira.

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O senhor afirma que a “inclusão total” nas escolas prejudica alunos com deficiências. Quais os principais obstáculos enfrentados pelas escolas públicas para implementar essa abordagem e como as práticas baseadas em evidências podem ajudar?

A inclusão total pressupõe que não deve haver adaptação individualizada para nenhum estudante. Isso acaba sendo um problema porque muitos estudantes vão precisar delas. As especificidades e singularidade ficam esquecidas no processo. Muitos deles vão falhar no desenvolvimento acadêmico e pessoal dentro do contexto da escola. Temos um cenário muito difícil para essas crianças que precisam de ajuda e uma parte desse apoio é individualizado. As práticas baseadas em evidências ajudam a gente a interpretar essa realidade, ou seja, se eu não individualizar nada para ninguém, isso é positivo ou é negativo? A gente tem um caminhão de pesquisas sobre isso e todas elas apontam que isso é negativo. Precisamos olhar para essa singularidade para que a gente possa entregar uma boa educação inclusiva. Essa é uma decisão baseada em evidências, ou deveria ser.

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O senhor critica a falta de formação técnica para educadores que lidam com alunos neurodivergentes. Qual é a sua proposta para capacitar esses profissionais de forma eficaz?

Os professores enfrentam desafios enormes no processo educacional, especialmente quando lidam com alunos neurodivergentes. A formação oferecida pelas instituições geralmente foca em discursos genéricos sobre respeito à diversidade, mas falta uma capacitação técnica mais profunda e prática. O que os educadores realmente precisam é aprender como lidar com as especificidades do ensino para alunos com deficiência intelectual, como desenvolver planos educacionais individualizados e como agir em situações específicas, como crises em sala de aula ou dificuldades sociais de alunos autistas. A proposta é que as formações sejam mais práticas e direcionadas à resolução de problemas do cotidiano escolar, com um foco técnico claro. Os professores precisam entender a teoria, mas, mais importante, precisam ser capazes de aplicar essas teorias de forma eficaz.

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O senhor defende a criação de escolas especializadas para alunos com necessidades específicas. Não vê uma contradição entre essa abordagem e as práticas de inclusão escolar?

Não existe contradição. As escolas especializadas devem fazer parte de uma abordagem inclusiva. É o sistema que deve ser inclusivo. Esse sistema deve comportar em si escolas especializadas, salas especializadas e salas comuns. O objetivo é sempre que o indivíduo esteja num ambiente menos restritivo possível. E a gente vai trabalhar sempre por isso. Mas você achar que todos os indivíduos estando na sala comum, que isso é inclusão, estão com grande equívoco. Não podemos tratar todos os alunos como se fossem iguais, pois cada um tem necessidades únicas. Há casos, como o autismo severo, que podem exigir escolas especializadas para garantir que o aluno receba o apoio adequado. Estudos internacionais, como o da Finlândia, mostram que uma porcentagem significativa de alunos com casos mais severos está em escolas especializadas, enquanto outros estão em salas especializadas ou transitam entre a sala comum e a especializada. Isso não significa que a maioria dos alunos com necessidades especiais deva estar em escolas especializadas, mas sim que devemos respeitar essas necessidades e oferecer opções adequadas para cada caso.

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A terapia ABA (Análise Comportamental Aplicada) é criticada por alguns como uma abordagem que tenta “curar” o autismo ou modificar comportamentos considerados “não normativos”, como estereotipias ou dificuldades sociais. Como o senhor responde a essa crítica e qual a sua visão sobre o uso da terapia ABA?

Sinceramente, é difícil entender de onde as pessoas estão tirando essas informações. É um discurso claramente negacionista. Não existe nenhum tipo de perspectiva nem de curar nem de tirar comportamentos não normativos. Esse discurso é muito perigoso, porque, na verdade, quer dizer que pessoas autistas não podem aprender nada. É um discurso profundamente capacitista. A terapia ABA busca melhorar a qualidade de vida do indivíduo e vai fazer isso por meio de métodos cientificamente validados. Ela não busca mudar a identidade do indivíduo autista, mas melhorar a qualidade de vida deles, ajudando a lidar com comportamentos prejudiciais. Quando falamos em modificar comportamentos considerados “não normativos”, como a dificuldade de fazer amigos, não estamos falando em mudar a identidade da pessoa, mas em ajudá-la a desenvolver habilidades sociais que facilitarão sua interação e inserção no mundo social. O verdadeiro objetivo da terapia é proporcionar ao indivíduo as ferramentas para viver de forma mais independente e confortável.

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O excesso de informações sobre o autismo nas redes sociais ajuda ou prejudica o entendimento do transtorno?

Essa é uma questão complexa, pois, como em muitos temas, há dois lados dessa moeda. Por um lado, há problemas como a divulgação de informações falsas e a propagação de equívocos por pessoas que acreditam entender do assunto. Um exemplo é o autodiagnóstico. Por outro lado, a divulgação de informações baseadas em ciência nas redes sociais têm um impacto positivo. Quando profissionais qualificados participam desse debate, ajudam a capacitar as famílias e os próprios indivíduos, permitindo que tomem decisões mais conscientes sobre suas vidas e saúde. O que define qual lado será mais predominante é a presença de especialistas qualificados no debate público.

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A sociedade pressiona para que pessoas autistas se adaptem a normas sociais. Qual é a sua visão sobre essa pressão e o respeito à individualidade delas?

Essa é uma questão muito difícil de ser enfrentada, porque não diz respeito ao comportamento individual, diz respeito à cultura de toda a sociedade. Por exemplo, os ambientes de trabalho, eles não são preparados para pessoas autistas. Esse é só um exemplo, mas isso pode se estender à universidade, às próprias relações pessoais, em muitos contextos. O que a gente precisa é mudar toda essa cultura, para que a cultura se torne mais inclusiva, para que pessoas autistas não precisem, obviamente, tentar parecer não autista. Precisamos promover a aceitação das estereotipias e comportamentos repetitivos que muitas vezes são estigmatizados. Se esses comportamentos não causarem danos à saúde, não há razão para que sejam tratados como problemáticos. Devemos respeitar a individualidade das pessoas autistas.

"Especificidades ficam esquecidas no processo", afirma Lucelmo Lacerda

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Entrevista 

Servidores da Prefeitura de Goiânia e da Câmara Municipal que têm cônjuges, filhos ou dependentes com transtorno do espectro autista (TEA) e síndrome de Down já podem assegurar o exercício das atividades funcionais por teletrabalho, na forma prevista na Lei Complementar nº 335, de 1º de janeiro de 2021, para a qual ainda faltava regulamentação.

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Entre os critérios, está o de que a função exercida permita o formato de teletrabalho. A maioria dos beneficiados, portanto, devem ser os que exercem atividades de cunho administrativo na própria sede dos poderes. Mas a partir da demanda é que será possível estabelecer a quantidade de pessoas com direito a trabalhar remotamente, tanto na Câmara quanto na Prefeitura de Goiânia.

A Lei nº 11.235 sancionada pelo prefeito Rogério Cruz (Solidariedade) e publicada no Diário Oficial do Município de quarta-feira (31) assegura de imediato o benefício aos servidores do Legislativo e autoriza o chefe do Executivo a estender, mediante edição de decreto, o direito aos efetivos ou comissionados da administração pública municipal.

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A proposta inicial do presidente da Câmara, Romário Policarpo (PRD), previa a concessão do benefício a servidores com parentes com TEA, mas emenda apresentada pelo vereador Willian Veloso (PL) estendeu o benefício aos que têm parentes com síndrome de Down.

<h2>Critérios</h2>

Além de a função exercida pelo servidor, efetivo ou comissionado, permitir o formato de teletrabalho, existem outros critérios para garantir o benefício. É obrigatória a apresentação de laudo médico e, no caso da Câmara, avaliação do Serviço Especializado em Segurança e Medicina do Trabalho (Sesmt).

Para os servidores da administração municipal, além do laudo médico, serão necessárias duas avaliações, da Junta Médica do Município de Goiânia e do setor competente de cada órgão.

Também está previsto que os servidores já em regime de teletrabalho no mesmo cargo e função por pelo menos 90 dias têm o direito garantido automaticamente, a partir da publicação da lei. “Nossa intenção foi apresentar uma alternativa viável e necessária para melhorar a qualidade de vida das pessoas com TEA ou síndrome de Down”, diz Policarpo.

“Com essa lei, os servidores poderão exercer suas atividades com a mesma qualidade e, ao mesmo tempo, acompanhar o desenvolvimento de seus filhos e dependentes com o cuidado que necessitam”, concluiu.

Casos de distúrbios que também demandam cuidados especiais, mas não se enquadram como TEA e Down, definidos pela Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), da Organização Mundial de Saúde (OMS), devem ter os laudos médicos apresentados pelo servidor que solicitar o benefício avaliados pelo Sesmt, na Câmara, e pela Junta Médica, na Prefeitura.

Lei em Goiânia garante teletrabalho para cuidados especiais

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Servidores públicos

Na partida deste domingo (14), no Estádio Onésio Brasileiro Alvarenga (OBA), Vila Nova e Avaí promoveram ação solidária direcionada aos autistas. As duas equipes usaram camisas alusivas à campanha.

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Ao entrarem em campo, os dois times também estavam acompanhados de pessoas autistas, assim como na execução do &nbsp;hino nacional. A ação foi denominada Conscientização para Autistas.

<div class="p-readmore-box"><a href="https://opopular.com.br/esporte/vila-nova-vence-o-avai-de-virada-e-assume-lideranca-henrique-almeida-decide-no-fim-mais-uma-vez-1.3154377" target="_blank">Vila Nova vence o Avaí de virada e assume liderança; Henrique Almeida decide no fim mais uma vez</a></div>

A camisa do Vila Nova teve um coração, formado por quebra-cabeça, sobre o escudo do clube. Um pouco abaixo, também aparecem mais quebra-cabeças, destacando o símbolo da causa e da campanha abraçada pelo clube. A peça vilanovense teve mais desenhos relativos à causa autista.

Vila Nova faz campanha de Conscientização para Autistas em jogo contra o Avaí

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Série B

Nesta segunda-feira (29), pela primeira vez um cão de assistência foi para uma escola regular em Goiânia acompanhando um aluno. Trata-se de Saturno, um labrador de quase dois anos, o parceiro fiel de Rodrigo, um garoto de 11 anos, portador de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Toda a comunidade escolar vinculada ao Colégio Professora Yolanda, no Jardim Guanabara foi preparada para receber o animal doado por um particular ao coletivo Centro Universal de Referência em Assistência Animal (Curaa), que o treinou para o processo de inclusão.

Saturno chegou com Rodrigo à escola, que é privada, numa semana de jogos esportivos. Ele recebeu os comandos do garoto e deu tudo certo. Aguardou pacientemente enquanto Rodrigo participava das atividades esportivas com os demais colegas.

O pai, o professor universitário André Freiria, gostou do que viu. “Estamos com Saturno em casa há duas semanas e tem sido muito bom observar o quanto ele faz bem para meu filho. Quando percebe que ele está agitado, sobe em cima dele para acalmá-lo”, diz.

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Ele conta que os contatos com o Curaa para obter um cão de assistência começaram antes da pandemia e somente agora foi possível concretizar a ideia.

Rodrigo foi adotado por André e Graziela, também professora universitária, quando estava com quatro anos. O casal, que tem uma filha biológica e adotou também a irmã do garoto, hoje com 18 anos, já sabia que o menino tinha problemas cognitivos e motores. O autismo foi diagnosticado depois dos cinco anos. Desde então, há uma busca incessante pelo seu bem-estar. “Ao contrário de outros casos de TEA, ele não tem limite do contato social, tem impulsividade muito alta, às vezes é muito agitado, por isso achamos que um cão o ajudaria”, relata André.

Cristiane dos Santos, diretora pedagógica do colégio onde Rodrigo foi matriculado há um ano, explica que a escola é inclusiva, mas que nunca escondeu dos pais que o aprendizado seria conjunto. “Decidimos nos adaptar ao Rodrigo e foram muitos desafios. A princípio os alunos ficavam assustados porque ele tinha muitas crises. Fizemos várias reuniões com a comunidade escolar e todos foram se adaptando. Ele é uma criança muito inteligente e quase nunca tem problemas na parte pedagógica porque fizemos adaptações curriculares.” Cristiane relata que os colegas de Rodrigo, por gostarem muito dele, passaram a fazer pesquisa na internet sobre autismo.

Para adaptar Saturno à comunidade escolar, pais, funcionários e alunos foram avisados da presença do cão de assistência a partir de agora. “É uma novidade e mais uma vez vamos aprender juntos”, diz Cristiane dos Santos.

A preocupação prioritária foi em relação à possibilidade de oferecer perigo, o que foi logo descartado por se tratar de uma raça dócil e o cão ter sido treinado para dar assistência a um portador de TEA.

Elaine Bezerra, coordenadora do Curaa, explica que Saturno é um cão que dá suporte emocional a Rodrigo. “Quando ele tem episódios de estresse na escola, se agita muito e rápido. Tem estereotipia, movimenta a cabeça e o corpo. O cão ajuda a acalmá-lo e traz mais leveza no cotidiano da escola”, afirma.

Barreiras 

Elaine, que faz palestras e visitas em hospitais e clínicas com seus cães de apoio para mostrar o quanto os animais são importantes na terapia, conta que, ao falar da presença de Saturno na escola, alguns pais comentaram que nunca tinham ouvido falar de cães de assistência. “A falta de informação é muito grande, por isso enfrentamos tantas barreiras.”

Uma delas ocorreu justamente na manhã desta segunda-feira (29) quando a treinadora e o marido Bruno Naves, coordenador do programa de cães-guia no campus de Urutaí do Instituto Federal Goiano (IF Goiano), foram fazer compras acompanhados de Nina, uma cadela em treinamento.

O casal escolheu um supermercado próximo ao Parque Mutirama, por estar na rota do treino com Nina. Mesmo com o colete e a carteira de identificação, como exige a legislação, o animal foi barrado na entrada. Depois de ouvir de um dos seguranças que ali a legislação obedecida era do próprio supermercado, o casal acionou a Polícia Militar.

Segundo Bruno Naves, foi a segunda vez que o mesmo problema ocorria numa unidade da rede. Em nota ao POPULAR, a direção do supermercado informou que logo que teve conhecimento do episódio, os treinadores tiveram livre acesso à loja. “Informamos que a equipe possui treinamento, e que será reforçado o tema, para evitar a ocorrência de qualquer tipo de transtorno”, explicou em nota o supermercado.

Na capital, lei garante acesso a espaços

Com resultados terapêuticos comprovados, os cães de suporte emocional são cada vez mais procurados como alternativas de tratamento para quem tem diagnóstico de TEA, TDAH, ansiedade, pânico, depressão, entre outros. Há uma demanda crescente no Brasil, e, por isso, têm surgido centros de treinamento. Elaine Bezerra explica que o Curaa tem parceria com o Núcleo de Arte e Inclusão do Autista (Naia), para quem já treinou três cães. Saturno é o sexto animal que o coletivo entrega gratuitamente. Os cães de assistência contribuem para aumentar a autonomia e a funcionalidade do paciente.

Em dezembro de 2022, o prefeito de Goiânia, Rogério Cruz, sancionou a Lei 10.874 que dispõe sobre o ingresso e a permanência de pessoas com deficiência, acompanhadas por cães de assistência, em locais públicos ou privados, como também em veículos que prestam serviços de transporte privado individual ou coletivo público de passageiros, desde que apresentem a documentação comprobatória. Os mesmos direitos são extensivos aos instrutores e treinadores.

A lei municipal preenche uma lacuna existente em nível federal. A Lei nº 11.126/2005 dispõe sobre o direito do portador de deficiência visual de permanecer em ambientes de uso coletivo acompanhado de um cão-guia, mas não há menção aos cães de assistência. No Congresso Nacional há várias propostas para uma legislação específica envolvendo os animais que oferecem suporte emocional.

Escola de Goiânia é pioneira em receber aluno com cão de assistência

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Inclusão

Quando se trata do transtorno do espectro autista (TEA), a jornada de reconhecimento pode ser complexa e cheia de nuances no diagnóstico para os homens e para as mulheres. Para a editora de vídeo Isabela Veiga, 38, mãe de gêmeos de 5 anos, essa realidade se manifestou de maneira vívida em seus filhos. Enquanto Lucas exibia sinais de alerta como a falta de contato visual, a dificuldade na comunicação e a vontade de ficar no seu próprio mundo, Beatriz, a Bia, destacava-se por sua expressividade e organização.

“Jamais teria percebido os sinais na Bia sem orientação médica. Não acreditava no diagnóstico, pois ela mantinha contato visual, conversava bastante, cumpria as etapas de desenvolvimento esperadas e brincava de tudo. Entre as características observadas pelo especialista, estava o hábito de alinhar objetos, algo que considerávamos uma questão de organização”, recorda-se Isabela. Essa dualidade de experiências é um lembrete contundente de como o autismo pode se manifestar de maneira única em cada indivíduo.

O que ocorreu na casa de Isabela é mais comum do que se imagina. Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, a indicação do autismo é quatro vezes mais frequente entre meninos do que entre meninas. Isso porque as características do cérebro feminino contribuem para mascarar os sinais do transtorno, ocasionando um diagnóstico tardio, como foi o caso da atriz Letícia Sabatella, que descobriu aos 52 anos. E quando se trata de nível 1, em que os sintomas são mais leves, a dificuldade é ainda maior, o que pode explicar a grande quantidade de casos que estão sendo revelados, como pessoas acima dos 40 anos.

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O médico pediatra Fabio Borges Pessoa explica que “culturalmente espera-se que as meninas se apresentem mais caladas, reservadas e menos expansivas”, o que pode esconder os sinais do TEA e, consequentemente, reduzir a busca por orientação especializada. “Mulheres que hoje estão com mais de 40 anos certamente não tiveram seus sintomas observados à época. Se não há um prejuízo grave em linguagem e a inteligência está preservada, ela tende a seguir mais quieta e vivendo os seus interesses”, comenta.

Sobre o caso de Letícia Sabatella, revelado em setembro de 2023 com nível de suporte Grau 1, o especialista ressalta que os autistas desenvolvem o chamado masking. Trata-se de uma espécie de camuflagem dos sintomas do autismo, caracterizada pela imitação de comportamentos sociais de pessoas que não possuem problemas de desenvolvimento neurológico. “O objetivo seria o de tentar não parecer tão inadequado e de se ajustar aos padrões sociais, o que também faz com que se atrase a elaboração do diagnóstico”, acrescenta Fabio Borges Pessoa.

Apesar dessa diferença comportamental entre homens e mulheres, o pediatra faz questão de lembrar que uma série de outros fatores podem levar ao diagnóstico tardio. Caso da dificuldade ao acesso a profissionais habilitados para estabelecer o diagnóstico, seja pelo Sistema Único de Saúde, seja via planos. “É o que mais impacta. Soma-se à escassez de especialistas, à desinformação acerca do transtorno, que, apesar de mais prevalente em nossa população, ainda é pouco compreendido e aceito por alguns”, comenta.

A produtora cultural e estudante de Letras, Ana Britto, 27, conseguiu o laudo somente na fase adulta, quando seu pai foi diagnosticado com mais de 50 anos. “Sempre tive um comprometimento sensorial muito grande. Foi só alguns meses atrás que eu descobri que existe um termo para algo que tenho: disfunção do sistema interoceptivo. É esse sistema que registra sensações como fome, sede, frio, calor, dor e cansaço. Isso acabou levando a alguns diagnósticos errados na minha infância, como anorexia e transtorno de ansiedade”, conta.

“Hoje em dia é mais fácil perceber que esses não eram incidentes isolados, e sim componentes de um quadro maior de TEA. Mas na época existia muito menos informação. O autismo se apresenta de forma diferente em meninas e mulheres por vários motivos, desde hormonais até sociais, e só agora que estão sendo desenvolvidos critérios diagnósticos que levam isso em consideração”, pontua Ana Britto, que está dirigindo o curta Invisíveis&nbsp;sobre mulheres no espectro autista, selecionado em um edital do Ministério da Cultura e que recebeu uma bolsa para a produção.

A neuropediatra Maria das Graças Brasil, uma das referências no autismo em Goiás, pontua exatamente isso. Segundo ela, no início havia muito desconhecimento sobre o transtorno tanto para as famílias quanto para profissionais de saúde e também não se dispunha de ferramentas de rastreio e não se valorizava alguns atrasos que a criança tinha, como, por exemplo, o da fala. “Os pais falavam que aquela característica era de algum tio, então isso era um pouco negligenciado. Hoje isso é assunto superado”, afirma. 
 
Diagnóstico precoce 
A chave para o melhor tratamento é o diagnóstico precoce. Isabela Veiga detectou os sinais de TEA dos filhos em 2020, quando eles ainda não tinham completado 2 anos e recebeu&nbsp;a indicação que eles têm nível 2 de suporte. "Quanto mais cedo descobrir e iniciar as estimulações melhor será o prognóstico. Se demora para começar, perde-se as chamadas janelas de oportunidade e as respostas são menos eficazes. Infelizmente, tem sempre aquela história que um parente apresentou sintoma parecido e acaba se tratando como normal na infância", avalia a neuropediatra Maria das Graças Brasil. 
 
Por conta disso, é preciso ficar atento aos sintomas e o psiquiatra Mateus José Abdalla Diniz pontua alguns sinais que precisam ser notados. “Como exemplo da orientação social, temos a criança que não olha quando é chamada pelo nome, não sustenta o contato ocular, não faz festa quando o cuidador se aproxima, não demonstra interesses no que ocorre ao seu redor. O de estereotipia motora são andar na ponta dos pés, flapping com mãos e braços, o balanço de tronco e as comportamentais podem ser enfileirar ou empilhar brinquedos e ter um percurso na casa que faz como em um ritual”. 
 
Notadas quaisquer umas dessas situações de maneira sistemática, é fundamental levar para um especialista para uma avaliação, que tanto para crianças, adolescentes e adultos é feita utilizando os critérios da Classificação Internacional de Doenças 11 (CID) ou do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V). “Basicamente, o tratamento é feito com intervenções multiprofissionais. Fonoterapia, terapia ocupacional, e psicoterapia, dentre elas, as com maior evidência de eficácia são: Análise do comportamento aplicada, floortime, Teacch. No adulto e nos adolescentes, é interessante o enfoque nas habilidades sociais”, explica Mateus José Abdalla Diniz.

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Entenda por que o diagnóstico de autismo em mulheres é mais difícil

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