Você conhece os percalços do mercado editorial brasileiro. Para autores pretos, essas dificuldades são ainda maiores?Todos os sujeitos não-hegemônicos enfrentam dificuldades em contextos hegemônicos. O mercado editorial em sua faceta das grandes editoras e conglomerados editoriais não é diferente. O racismo estrutural e institucional nos afeta em todos os campos, também no mercado editorial, principalmente ao tentar circunscrever autoras e autores negros a determinados temas, enfoques e linguagens. Você tem uma carreira estabelecida, com muitos livros publicados e um nome consolidado no mercado. Com a sua experiência, você diria que estamos passando por transformações nos debates a respeito do racismo, muitos deles pautados pela literatura?Digo que sim. Dois dos autores mais importantes do Brasil hoje são homens negros, Itamar Vieira Júnior e Jeferson Tenório. Eles publicam por duas das maiores editoras do País, Companhia das Letras e Todavia, respectivamente. Gozam de esquemas poderosos de divulgação e seus livros circulam amplamente. Antes deles, Giovane Martins (Companhia das Letras) também causou impacto no mercado. O prosador gaúcho José Falero junta-se a eles com força total, por meio de um romance e de um livro de crônicas. A autora fundamental, Carolina Maria de Jesus, autores vivos e antes pouco lembrados, como Oswaldo de Camargo e Carlos de Assumpção, também têm assistido à reimpressão de suas obras por grandes casas editoriais e elas começam a alcançar fatias alargadas de público. Nas editoras independentes, pequenas e médias, verifica-se número significativo de publicações de autoras e autores negros. Estamos em todos os espaços, inclusive os mais fechados, ainda em proporções ínfimas, mas estamos chegando. Você tem obras de ficção e de não-ficção (estudos específicos) sobre como o racismo ocorre e se torna estrutural no Brasil. Como você analisa essas questões, tanto no campo estético, quanto nos campos de pesquisas, sobretudo no da educação?Esta pergunta é muito ampla e cabem universos na resposta. Tenho dois livros importantes à disposição do público. O primeiro é Ações Afirmativas e Educação: Experiências Brasileiras (Summus, 2003), um dos dez primeiros livros sobre o tema das ações afirmativas publicados no Brasil. O segundo é Africanidades e Relações Raciais: Insumos para Políticas Públicas na Área do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas no Brasil (FCP, 2014). No campo da literatura, tenho os livros Racismo no Brasil e Afetos Correlatos (Conversê, 2013, esgotado), #Parem de Nos Matar! (Jandaíra – Kuanza Produções, 2018) e Sobre-viventes! (Pallas, 2021, 2ª edição). Sua pergunta está parcialmente respondida nesses livros. Você tem obras infantojuvenis que tratam da cultura negra e sua valorização e planta sementes junto às crianças sobre esses assuntos que muitos adultos se recusam a discutir. A chave para uma melhoria do quadro a longo prazo está nas crianças?A temática das africanidades é muito presente nos meus livros e eu a entendo como uma água grande e funda, na qual as pessoas podem circular e se alimentar, assim como nos nutrimos do líquido amniótico em nossa primeira formação. Você tem obras publicadas no exterior. Como é a recepção e reação aos seus textos, muitos deles falando da realidade do racismo no Brasil e das heranças negras em nossa cultura?Tenho contos, crônicas e ensaios publicados em cinco línguas e sempre há o desafio de fazer arranjos linguísticos com as pessoas responsáveis pela tradução para aproximar as palavras do léxico deles aos sentidos originais que dei ao texto com as palavras escolhidas na língua portuguesa. Não tenho tido notícias sobre a recepção ampla. Tenho algum conhecimento sobre a recepção dos textos em universidades e agora mais recentemente no suporte audiolivro em inglês estão os contos do livro Um Exu em Nova York. Esses últimos têm circulado bem e os audioleitores têm se interessado e comentado bastante nas redes sociais da produtora na Califórnia. Você também trabalha com a linguagem do teatro. Sendo dramaturga, como você avalia o palco como espaço para o combate ao racismo?Escrevi três textos por encomenda, eles tratam de questões raciais e provocaram bons debates. Penso que em todos os campos, o racismo deva ser discutido quando se apresenta ou quando julgamos necessário trazê-lo à cena pública. Nesse sentido, os palcos também são espaços importantes.