Um dos autores mais relevantes da atual literatura brasileira é a atração da Feira do Livro de Anápolis, que será realizada de quinta-feira (20) até sábado (22), na Biblioteca Pública Municipal Zeca Batista. Vencedor do Prêmio Jabuti de Romance em 2021, o escritor Jeferson Tenório, autor de O Avesso da Pele, abre o evento, às 16 horas, com a conferência Dia da Consciência Negra – A Representação do Negro na Literatura Brasileira. Publicado em 2020, o romance narra a trajetória de Pedro, um jovem negro que reconstrói a história do pai assassinado durante uma abordagem policial, e articula questões de violência, memória e identidade racial.

“A abertura será no Dia da Consciência Negra, e essa escolha foi deliberada. Queremos reforçar a centralidade do debate, e Jeferson Tenório é a presença mais qualificada para conduzi-lo. Autor de uma obra marcada pela abordagem sofisticada das questões étnico-raciais, ele articula reflexão crítica e apuro estético, como demonstra o romance O Avesso da Pele, já alvo de censura e hoje referência no tema”, explica curador do evento e escritor Ademir Luiz da Silva. O autor chega a Anápolis no momento em que sua obra circula internacionalmente, após tradução para o espanhol.

A feira promete reunir ainda escritores goianos, pesquisadores, artistas e educadores em três dias de debates, oficinas, lançamentos e ações formativas pensadas para diferentes públicos. A programação destaca também a presença do poeta Nicolas Behr, conhecido pela produção que fez de Brasília um território literário, com obras que vão da poesia marginal às recriações de Cora Coralina. Behr ministra, no encerramento, a conferência Cora Coração, seguida do concurso de poesia falada Paulo Nunes Batista.

“A participação dele é um presente para Anápolis. Sua obra é fundamental para termos a dimensão do tamanho da literatura brasileira produzida no Cerrado”, observa Ademir Luiz. Com entrada gratuita e oficinas abertas mediante inscrição no local, a Feira do Livro de Anápolis aposta na formação de público e na continuidade das ações culturais na região. Para seu curador, esse é o ponto central. “Acreditamos que as ações realizadas ao longo da Feira vão contribuir para formação de público leitor, apreciadores de arte e mesmo produtores de arte. Será uma ação de três dias, mas que, acreditamos, vai ressoar por muito tempo. Cultura é algo que se constrói dia a dia”, destaca.

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Serviço

Evento: Feira do Livro de Anápolis

Data: 

20 a 22 de novembro

Local:

Biblioteca Pública Municipal de Anápolis Zeca Batista. Praça Americano do Brasil - Centro, Anápolis

Entrada: 

gratuita

Informações e programação completa:

feiradolivroanapolis.com

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Entrevista - Jeferson Tenório

 
“Bons leitores escolhem bons livros”

 
A participação do escritor Jeferson Tenório na Feira do Livro de Anápolis marca um ponto central da programação e coincide com o Dia da Consciência Negra. Autor de O Avesso da Pele, um dos romances mais discutidos da década, Tenório chega ao encontro literário em um momento em que debates sobre memória, identidade e políticas antirracistas se intensificam no País. Sua obra, que segue mobilizando leitores no Brasil e no exterior, tem servido como plataforma para refletir sobre representação negra, violência estrutural e novas formas de leitura crítica da sociedade. Em entrevista ao POPULAR, ele falou sobre o papel da literatura na formação de leitores e avaliou os avanços da autoria negra no mercado editorial. Confira trechos:

 
A conferência em Goiás coincide com o Dia da Consciência Negra. Qual é, na sua avaliação, o peso simbólico de discutir representação literária em uma data marcada por debates sobre memória, identidade e políticas antirracistas? 
Creio que o Dia da Consciência Negra é uma data importante para lembrar à sociedade o quanto ainda precisamos avançar em termos de reparação histórica. Poder discutir literatura num dia como esse é a possibilidade de refletir sobre a representação das histórias negras ao longo do tempo e pensar sobre nossas origens.

O Avesso da Pele segue mobilizando leitores no Brasil e fora dele. Como o livro dialoga hoje com o debate sobre violência e identidade racial? 
Acho que, nos últimos anos, houve uma mudança de mentalidade quanto às discussões sobre o racismo. Encontramos hoje mais espaços para pensar um mundo antirracista. Festivais como o de Anápolis oportunizam esse contato, pois ali temos um espaço de formação de leitores e de cidadãos.

A Feira do Livro de Anápolis busca alcançar públicos diversos. Quais estratégias considera mais eficazes para aproximar jovens de uma literatura que trata de raça sem cair em abordagens pedagógicas ou simplificadoras? 
Tornar os livros acessíveis à população em geral é o primeiro passo, seja em livrarias ou bibliotecas públicas. Depois, é necessário preparar as pessoas para se tornarem leitoras. Bons leitores escolhem bons livros e saberão avaliar obras que tratam de temas como raça e gênero de maneira mais complexa.

Entre seus temas está a representação do negro na literatura brasileira. Que avanços e limites o senhor observa nas editoras, no mercado e na crítica quanto à publicação de escritores negros? 
Houve uma mudança de mentalidade significativa nos últimos anos em relação à escrita de autoria negra. Creio que isso é fruto das lutas históricas dos movimentos negros e de políticas públicas, como as cotas. No entanto, ainda estamos no começo dessa abertura para a produção literária negra. Precisamos de mais incentivos para naturalizar a presença desses autores em mais espaços.

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PROGRAMAÇÃO DA FEIRA DO LIVRO 
Quinta-feira (20) 
16h – Abertura da exposição de arte 
20h – Conferência de abertura com Jeferson Tenório: Dia da Consciência Negra – a representação do negro na literatura brasileira

Sexta-feira (21) 
9h – Abertura dos portões 
9h30 – Oficinas de criação artística e literária 
12h – Exposições de arte e feira do livro 
14h – Lançamento de livros 
16h – Mesa-redonda: Literatura escrita por mulheres 
20h – Show musical com Heitor Luz

Sábado (22) 
9h – Abertura dos portões e início das atividades didáticas&nbsp; 
10h – Oficinas de criação artística e literária 
12h – Exposições de arte e feira do livro 
14h – Lançamento de livros 
16h – Mesa-redonda: Literatura fantástica em Goiás 
19h – Conferência Cora Coração, com Nicolas Behr 
20h30 – Concurso de Poesia Falada Paulo Nunes Batista

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Roteiro

Em clima de luta&nbsp;

 
Instituída em referência à morte de Zumbi dos Palmares, em 1695, Dia da Consciência Negra tem programação recheada de eventos em Goiás

A data de 20 de novembro marca a resistência negra e propõe reflexão sobre desigualdade racial, memória e direitos no Brasil. Em Goiânia e cidades do interior, a programação que lembra o Dia da Consciência Negra reúne música, cultura popular, debates, exposições e celebrações que destacam a força das tradições de matriz africana. Confira abaixo alguns desses eventos:

 
Festival das Artes Negras 
O Orum Aiyê Quilombo Cultural promove o Festival das Artes Negras – De Palmares a Aroeira, com atividades gratuitas dedicadas à cultura e à resistência afro-brasileira. A programação abre na quinta, 20, às 16h, com cortejo do bloco Tambores do Orum pelas ruas do Itatiaia. Na sexta, 21, às 19h, o Cine Ori exibe Two Distant Strangers seguido de palestra e roda de conversa com o babalorixá e antropólogo George Hora. No sábado e domingo, 22 e 23, às 20h, o espaço recebe Solos Marginais, série de quatro performances circenses dirigidas por Marcelo Marques. Atividades no Orum Aiyê Quilombo Cultural, Residencial Nossa Morada. Informações: @orumaiyecultural.

Exposição Agô 
Em comemoração ao Dia da Consciência Negra, a mostra Agô: Licença Ancestral que Rompe o Racismo Religioso continua em cartaz no saguão do Palácio Maguito Vilela, da Assembleia Legislativa de Goiás, com obras, fotografias, figurinos e objetos das tradições de matriz africana. A exposição, do Instituto Cultural Movimento Agô, fica aberta até o dia 30, na sede da Alego, no Park Lozandes. Visitação gratuita. Informações: portal.al.go.leg.br.

Sambão da Consciência 
Xexéu e Danilo Guedes recebem o músico brasiliense Thiago Nascimento para o lançamento do projeto Batuque Legal, nesta quinta, 20, feriado da Consciência Negra, a partir das 13h, no Saccaria Verano, no Jardim Goiás. O repertório inclui samba rock, partido alto, pagode, samba de roda, samba-enredo, axé, reggae e pop. Ingressos a partir de R$ 30. Reservas: 98200-2010.

Comunidade Negra 
A sede social do Centro de Cidadania Negra do Estado de Goiás (CENEG-Goiás) abre, nesta quinta, 20, a 7ª Mostra Cultural da Comunidade Negra, com apresentações de congo, capoeira, jongo, dança afro, hip-hop, percussão e DJs, além da FeirArte, voltada ao empreendedorismo negro. Das 14h às 18h. Entrada gratuita. Endereço: Av. Independência, 41, Vila Morais. Informações: @ceneggoias.

Memórias 
O Centro de Educação Popular de Pirenópolis (COEPi) realiza, no sábado, 22, a 2ª edição do encontro Reconectando Memórias, com apresentações de maracatu, jongo, samba de roda, afoxé e música afro, das 17h às 22h. Participam Maracatu Ipadê, Jongo Iracema, Sambadeiras do Cerrado, Afoxé Onã L’áyó e a cantora Gil Tobias. Entrada gratuita. Local: COEPi, Rua do Carmo, s/n, Alto do Carmo, Pirenópolis.

Feira do Livro de Anápolis reúne nomes como Jeferson Tenório e Nicolas Behr

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Para despertar consciências

Enquanto O Avesso da Pele, livro do escritor Jeferson Tenório, sofre censura em diversas regiões do País, incluindo Goiás, a obra segue alcançando índices inéditos, com aumento superior a 1400% em suas vendas em comparação à primeira semana do mês de março, de acordo com a Amazon. O autor contra-argumenta: “Não podemos ficar refém de uma tentativa de censura para ter interesse na leitura. A gente tem que ter interesse por outros motivos, pelo conhecimento, pela educação, e não por causa dessas violências”. Aos 47 anos, o premiado autor pesquisa temas como pós-colonialismo, identidade e diáspora africana. Em entrevista ao POPULAR, Tenório conta sobre como tem recebido os ataques na internet, a trajetória da publicação e os desafios para formar leitores críticos e assíduos pela literatura brasileira. 
 
 
Você tem uma carreira vigorosa na literatura brasileira, com prêmios e importantes publicações há anos, mas seu nome veio à tona nacionalmente por conta da censura ao livro O Avesso da Pele. Como tem passado por todo esse alvoroço? 
Primeiro eu fiquei bastante surpreso com a repercussão que começou no Rio Grande do Sul, e, depois, com a circulação do vídeo da diretora. Daí veio o pedido de recolhimento nos outros três Estados, incluindo Goiás. Conforme ia avançando e com os movimentos de apoio, de solidariedade e reações contra recolhe do livro eu comecei a entender tudo que estava acontecendo. A primeira coisa que eu identifiquei é que tudo isso faz parte de um discurso político, de uma certa ideologia ultraconservadora na qual esses Estados estão vinculados.

Qual o sentimento em relação a toda a onda de censura enquanto escritor negro e pesquisador da área? 
Enquanto escritor é um pouco triste porque você vê algo que foi construído para discutir o racismo estrutural, discutir a violência policial, discutir a precariedade do ensino, e aí você vê o livro sendo reduzido a um livro erótico, um livro que tem passagens impróprias. É um sentimento de tristeza que eu sinto ao me deparar com esse tipo de argumento e dessas fake news, das informações falsas, que dão a entender que o livro fala sobre sexo e, na verdade, não é essa temática do livro.

O Avesso da Pele trata justamente da questão da violência policial e, os estados que propuseram a recolha da obra têm altos índices de uso da força ou da coação. É um indicativo? 
Com certeza é sintomático. O livro sofreu uma primeira tentativa de censura em 2022, em Salvador (BA), que é um estado que tem um dos maiores índices de mortalidade da população negra pela polícia. Isso foi um dos motivos também que causou essa censura, já que era um livro que tocava diretamente nessa questão. Os outros Estados que têm acontecido a censura tem as questões do militarismo, do “bandido bom é bandido morto”, contra os direitos humanos. Trata-se de uma obra que traz a questão racial muito forte, muito direta e, aliado a isso, foi escrito por um autor negro.

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), afirmou em entrevista ao Uol na última semana que o livro não “tem nada de educativo e que é promiscuidade plena”. De que forma você enxerga declarações como essas? 
O que é preciso entender é que ele está falando para um determinado grupo de pessoas e de alguém que está tentando se eleger. Então ele tem um discurso que é muito próximo do bolsonarismo e é um discurso que tem endereço certo. É um grande absurdo porque você acaba se utilizando de algo importante, que é a leitura de um livro, para conseguir angariar votos.

Ao mesmo tempo que há a onda de censura, também existe um retorno muito afirmativo de editoras, livrarias e dos próprios leitores em divulgarem e discutirem a obra, que é atualmente sucesso de vendas. Até que ponto isso é benéfico para o próprio livro? 
O Brasil lidando com movimentos autoritários nos deu uma certa experiência de como tratar essas questões. A censura causa um grande dano para o Brasil e eu acho que qualquer tentativa de censura tem sido rápida, coletiva, atuando nas redes sociais, na internet, com a massa de produção de notícias falsas. Mas estamos aprendendo a responder à altura e o apoio nas redes foi e tem sido muito importante. Já em relação ao aumento da procura e da compra do livro, é uma resposta forte, contundente à onda de censura. Por outro lado, me preocupa as motivações que levam as pessoas a lerem a obra. Não podemos ficar refém de uma tentativa de censura para ter interesse na leitura. A gente tem que ter interesse por outros motivos, pelo conhecimento, pela educação, e não por causa dessas violências, mas eu fico grato às pessoas que decidiram reagir dessa forma.

Na live com a Lilia Schwarcz você deixa claro que o livro é uma obra de ficção e que não é para crianças, como muitos afirmam por aí. Como definir essa classificação indicativa? 
Quem decide para quem O Avesso da Pele deve ir são os professores, a coordenação pedagógica, o projeto pedagógico. São eles que têm o poder de decisão. Eu, enquanto autor, não posso botar uma tarja ou um aviso de determinada idade. Não posso fazer isso, quem faz isso é o professor junto com a coordenação pedagógica. Tudo depende também da maturidade do adolescente, talvez alguns alunos de 14, 15, tenham mais condições de entender o livro do que, de repente, alunos de 17, 18 anos. Agora, é um absurdo você dizer que o livro é para crianças. Isso não existe. O professor é o responsável pelas suas aulas. Obviamente que ele vai entender que aquele livro não é para crianças, para alunos de 9, 10 anos. Esse discurso está sendo utilizado justamente para descredibilizar o livro e o autor.

A questão que fez eclodir toda a polêmica envolve o trecho com palavrões. É uma questão de falso moralismo? 
Tem a questão do falso moralismo, como se a literatura mundial, a literatura brasileira fosse higienizada, como se não tivessem livros em que os palavrões fazem parte não só da literatura, mas da cultura brasileira. A inteligência do falante de uma língua é entender que ele deve utilizar determinadas expressões em determinados contextos. Ninguém está ensinando os adolescentes a falarem isso ou aquilo. Existe um discurso conservador, um desconhecimento do que é a linguagem literária e um sentimento de subestimar o próprio adolescente, como se ele não tivesse condições de discernir que aquilo ali é literatura. É como se a gente proibisse os adolescentes de jogarem videogames. É o mesmo que afirmar que aquele adolescente que joga GTA, por exemplo, vai pegar uma arma e sair matando todo mundo. É dar para o adolescente, por exemplo, livros de detetive do Conan Doyle, da Agatha Christie, e achar que ele vai cometer crimes. É um despreparo, um desconhecimento e uma falta de senso crítico desses movimentos conservadores.

Você já sofreu outros episódios de censura? 
Tem o caso mais emblemático lá em Salvador, em 2022, que envolveu ameaça de morte, depois abrimos um ponto de ocorrência, investigação, e aí descobrimos que tinha a ver com pais bolsonaristas. Nesses quatro anos de publicação da obra, em uma ou outra escola existe algum tipo de resistência vindo dos pais, mas sempre de maneira mais amena, não dessa forma agressiva como foi dessa vez. Eu acho que está se aproximando das eleições para prefeito, vereador, então acredito que O Avesso da Pele foi a bola da vez.

Como formar leitores, aproximar os jovens da literatura e incentivar uma leitura mais crítica? 
Eu sei que já existem políticas públicas que incentivam a leitura, mas precisamos de mais ações como essas. Não acho que a escola é o único lugar que forma leitores. É preciso do envolvimento de vários setores que passam pelo acesso ao livro, pelas bibliotecas comunitárias, livrarias, festivais literários, bibliotecários nas escolas, ou seja, a gente tem que ter um sistema que passe por todas as instâncias, desde a edição do livro até como esse livro chega na mão do leitor, como ele é mediado, o acesso ao livro. Formar leitor não se resume apenas ao professor na sala de aula dizendo para os alunos lerem. A gente precisa ter um sistema todo colaborando para que tenhamos, de fato, leitores no Brasil.

Você tem algum livro ou projeto literário engatilhado para os próximos meses? 
Já estamos quase lançando um próximo livro, agora mais acadêmico, e também estou escrevendo um roteiro para uma série de streaming. Não posso revelar mais detalhes, mas há muito trabalho pela frente.

"O Avesso da Pele foi a bola da vez", diz Jeferson Tenório

Entrevista

Pedro é um jovem negro que quer resgatar o passado da família depois que seu pai é assassinado numa terrível abordagem policial. A narrativa do protagonista do livro O Avesso da Pele, do escritor Jeferson Tenório, diz muito sobre tantas histórias de brasileiros e brasileiras que, assim como o personagem, sofrem com o racismo e suas consequências diárias. A obra, vencedora do Prêmio Jabuti 2021, se vê mais uma vez no meio de polêmicas após ter sido censurada na rede de ensino de Goiás.

A densa realidade do sistema educacional do País é apresentada nas 198 páginas do livro publicado pela Companhia das Letras. O polêmica envolvendo a obra teve início com a publicação de uma diretora de uma escola em Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul, acusando o livro de usar palavras de ‘baixo calão’ e de conter cenas de atos sexuais. A crítica ao trecho, retirado do contexto, viralizou e se tornou alvo de debate entre escritores e escritoras.

<div class="p-readmore-box"><a href="https://opopular.com.br/cidades/seduc-afirma-que-escolas-tem-autonomia-para-escolher-livros-1.3116441">Seduc afirma que escolas têm autonomia para escolher livros</a> 
<a href="https://opopular.com.br/magazine/companhia-das-letras-critica-recolhimento-do-livro-o-avesso-da-pele-em-goias-1.3116426">Companhia das Letras critica recolhimento do livro 'O Avesso da Pele' em Goiás</a></div>

Para a editora e autora goiana Larissa Mundim, a maioria das pessoas que se aproveita deste momento para criticar sequer leu a obra e talvez desconheça o contexto da narrativa. “A campanha difamatória do livro é política e evidencia sintomas de que parte da sociedade brasileira se encontra confusa, sem noções éticas e que se deixa influenciar por mentiras e superficialidades”, reflete Larissa, que leu o livro e diz ter sido uma das obras mais incríveis que conferiu em 2023. “A literatura não está a serviço de nenhuma ideologia e não pede licença para existir na representação do real e do fantástico também”, lembra a editora.

Enquanto as cópias dos livros são retiradas das escolas pela Secretaria de Estado da Educação (Seduc), a obra entra para a lista dos mais vendidos da Amazon. Segundo a empresa, as vendas aumentaram em 400% desde a última sexta-feira (1º).

Em entrevista ao UOL na tarde desta sexta-feira (8), o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), afirmou que o livro não tem nada de educativo. “Aquilo ali é promiscuidade plena, é um absurdo... Aonde se quer chegar com o texto daquele na formação de uma criança? Aonde quer chegar com aqueles termos chulos ali colocados, como se isso fosse método educativo? ”, justificou.

Uma das ponderações afirmadas pelos escritores é de que o livro foi selecionado em 2022 durante o governo Bolsonaro para fazer parte do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), mas foi distribuído durante o governo Lula (PT) e voltou a ser alvo da bancada da extrema direita. Nas escolas, o livro é selecionado por profissionais da literatura e pedagogia, qualificados para isso. O mesmo ocorre em outras obras literárias de autores brasileiros como Nelson Rodrigues, Machado de Assis, Jorge Amado e Hilda Hilst.

“O livro, sobretudo, nos coloca para além do conhecimento. Coloca-nos sensações na pele, abre-nos uma ferida ou, ao menos, escancara uma ferida aberta sobre o racismo e a violência que atinge, sobretudo, pessoas negras”, reflete o goiano Mazinho Souza, autor preto e que, assim como Jeferson Tenório, também discute a questão racial dentro da literatura. “Esses Estados em que o livro foi censurado não querem agir em combate ao racismo, e isso é uma das vantagens de censurar. O que os olhos não lêem o coração não sente”, diz o escritor.

A violência policial, o racismo estrutural e críticas à precariedade da educação são temas apresentados na obra. Para o escritor Pablo Mathias, vencedor da Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos - a mais antiga em atividade do País -, o debate que o livro proporciona mostra o quão ainda é preciso caminhar. “Apontar as feridas sempre causa um mal-estar e trazer o jovem para esse diálogo é fundamental”, finaliza o autor.

<h2>Histórias cruzadas</h2>

“Qualquer tipo de censura em uma obra de arte é autoritarismo e precisa ser combatida”, defende o presidente da Academia Goiana de Letras (AGL), Aidenor Aires. Para o escritor, é preciso que se crie formas de discutir e respeitar o caráter literário de cada obra artística. “Lembro dos tempos da ditadura, quando eu precisava entregar os textos do teatro para a aprovação dos censores da censura. Isso já não pode mais acontecer”, lamenta.

Aires recorda do episódio de 2023 quando um outro livro foi alvo de polêmicas em Goiás após a Universidade de Rio Verde (Unirv), a 230 km de Goiânia, retirar a obra da lista do vestibular. A publicação em questão, intitulada Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios, de Marçal Aquino, foi criticada pelo deputado federal Gustavo Gayer (PL), que afirmou que a obra teria “conteúdo literário pornográfico”.

<h2>Quem é Jeferson Tenório</h2>

Apesar de ter nascido no Rio de Janeiro, Jeferson Tenório, 47 anos, radicou-se em Porto Alegre (RS) nos anos 1990 e fez doutorado em Teoria Literária pela PUC-RS. Em suas pesquisas, trabalhou com temas como pós-colonialismo, identidade e diáspora africana. Por meio das temáticas, levou as questões raciais para seus três romances publicados: O Beijo na Parede (2013), Estrela sem Deus (2018) e O Avesso da Pele (2020).&nbsp;

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Vendas do livro O Avesso da Pele cresceram 400% após polêmica (Wesley Costa)

<h2>“Trata-se de um livro de ficção e que não é para crianças"</h2>

Recém-eleita para a Academia Brasileira de Letras (ABL), a historiadora e antropóloga brasileira Lilia Schwarcz saiu em defesa da publicação e usou as redes sociais para promover uma live com Jeferson Tenório. A pesquisadora classificou o vídeo da professora do Rio Grande do Sul como populista, e disse que ele desfoca o que é central no livro. “Esse é um livro sobre relações humanas, sobre a relação belíssima de um pai com o filho, além de ser um elogio imenso à literatura, mas trata de duas questões nodais da sociedade brasileira: a da escravidão e, portanto, do racismo estrutural, e a questão da ditadura militar”, reiterou.&nbsp;

Durante a conversa, Tenório afirmou que existe um sentimento atual de recuo, retrocesso, e que não é de agora. “Nós sabemos que vem acumulando uma série de eventos de conservadorismo. É um sentimento que, de certo modo, utiliza estratégias e metodologias do fascismo. O caso que aconteceu com O Avesso da Pele foi justamente isso. Essa diretora pinça algumas palavras, alguns trechos, e aí coloca de maneira irresponsável em um vídeo, dando a entender que o livro era pornográfico e não podia circular na escola”, disse o escritor.&nbsp;

O escritor diz que o que mais causou espanto foi o despreparo da educadora, que precisa estar preparada justamente com a linguagem literária. “Entender que aquilo se trata de um livro de ficção. Entender que o livro não é para crianças. O livro está classificado e foi enviado para ser trabalhado no ensino médio”, destacou.&nbsp;

A segunda questão que mais chocou Tenório foi a cooptação política em cima do discurso. “A gente tem aí vereadores, pessoas de determinados partidos, usando essa disputa para conseguir esse capital eleitoral. O livro vira esse grande inimigo a ser combatido”, refletiu Tenório. “O mais perigoso disso tudo é quando você tem essa estratégia fascista na classe trabalhadora. Porque aí você vai ter esse cidadão comum servindo como censor”, reiterou durante a live.

Escritores e escritoras de Goiás discutem censura ao livro 'O Avesso da Pele', de Jeferson Tenório

O avesso da liberdade

A Companhia das Letras lamentou nesta quinta-feira (8), por meio de suas redes sociais, a decisão do Governo de Goiás de recolher o livro O Avesso da Pele, escrito por Jeferson Tenório. Na texto, a editora responsável pela publicação classificou o boicote ao romance como um "grave ataque à liberdade de expressão" e pediu "manifestação imediata e contundente" do Ministério da Educação em defesa do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Além de Goiás, o livro também é alvo de questionamentos e recolhimentos no Rio Grande do Sul e no Paraná.

"Ontem à noite fomos mais uma vez surpreendidos, desta vez pela matéria do jornal O POPULAR, que afirma que a Secretaria de Educação de Goiás também pediu o recolhimento da obra O Avesso da Pele, livro este selecionado pelo Programa Nacional do Livro Didático", informou a Companhia. A editora defente que o PNLD, há 80 anos, "tem sido um pilar fundamental para garantir o acesso dos estudantes brasileiros a materiais de qualidade, promovendo a igualdade de oportunidades no processo educacional."&nbsp;

<div class="p-readmore-box"><a href="https://opopular.com.br/comprova/livro-o-avesso-da-pele-foi-aprovado-no-governo-bolsonaro-e-escolhido-por-escola-para-o-ensino-medio-1.3116125">Livro “O Avesso da Pele” foi aprovado no governo Bolsonaro e escolhido por escola para o ensino médio</a> 
<a href="https://opopular.com.br/politica/secretaria-da-educac-o-recolhe-livro-literario-distribuido-pelo-mec-1.3116103">Secretaria da Educação recolhe livro literário distribuído pelo MEC</a></div>

Para a Companhia das Letras, a decisão de recolher "um livro previamente aprovado e selecionado por uma banca de educadores, especialistas, mestres e doutores em literatura" não apenas prejudica a qualidade da educação oferecida às crianças e jovens, "mas também mina a confiança no próprio programa e nas instituições responsáveis por sua implementação". A nota diz ainda que a expressão e o pluralismo de ideias são princípios fundamentais de uma sociedade democrática.

Também destaca que O Avesso da Pele&nbsp;é uma obra avaliada, aprovada e comprada na gestão de Jair Bolsonaro. Pede ainda que o governo reafirme o compromisso com a educação "garantindo que o PNLD continue a desempenhar seu papel fundamental sem interferências arbitrárias e ideológicas".

Vencedor do Prêmio Jabuti de 2021, O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório, é um romance sobre identidade e as complexas relações raciais, violência e negritude. No sábado, o escritor havia se manifestado em suas redes sociais pedindo que a comunidade lute contra a censura de seu romance. “O Avesso da Pele foi censurado em Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul. A diretora de uma escola fez um vídeo acusando o livro de usar palavras de ‘baixo calão’ e de conter cenas de atos sexuais. Após repercussão e de uma moção de um vereador, a 6º CRE mandou recolher os exemplares das escolas e bibliotecas até que o governo federal se manifeste”, contextualizou.&nbsp;

<h2>Análise</h2>

Em Goiás, a polêmica teve início na terça-feira (5), após o deputado Amauri Ribeiro (UB) ler trechos do romance durante discurso na tribuna da Assembleia Legislativa de Goiás. O parlamentar bolsonarista chamou de “porcaria” e “pornografia” as passagens que classificou como inadequadas e cobrou a retirada dos livros das escolas estaduais em Goiás.&nbsp;

Por meio de nota oficial, a Secretaria de Estado de Educação (Seduc) disse nesta quarta-feira (6) que a pasta orientou às coordenações regionais de Educação (CREs) recolhimento do livro, com a finalidade de "possibilitar uma análise do livro quanto ao atendimento da proposta pedagógica da rede pública estadual de ensino”. “A Seduc-GO fará a leitura e análise com vistas a definir se o livro poderá ou não ser distribuído. O objetivo é assegurar que a obra literária que chegue à escola possa efetivamente contribuir com o desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes com base no currículo estadual”, afirma o texto.

Companhia das Letras critica recolhimento do livro 'O Avesso da Pele' em Goiás

Literatura

A Secretaria Estadual de Educação (Seduc) confirmou o processo de recolhimento do livro “O Avesso da Pele”, de Jeferson Tenório, das escolas que o receberam por meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). A decisão já havia sido tomada depois de debate interno na pasta, mas só foi tornada pública nesta quarta-feira (6), após dois dias de intenso debate polarizado entre deputados estaduais na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego).O deputado Amauri Ribeiro (UB) levou trechos do romance literário para discurso na tribuna da Casa na terça-feira (5), em sessão extraordinária. O parlamentar bolsonarista repetiu a ação de deputados federais que compartilharam críticas originadas em escola do município de Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul, e chamou de “porcaria” e “pornografia” as passagens que afirma serem inadequadas e cobrou a retirada dos livros das escolas estaduais em Goiás.Em um dos trechos, o narrador conta que uma personagem branca passou a ser questionada sobre características físicas e o comportamento do namorado, negro, durante as relações sexuais. Em outra passagem, o protagonista, um homem negro, relata momentos do ato sexual com a namorada, branca.A deputada Bia de Lima (PT), presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás (Sintego), rebateu Amauri e uma das diversas trocas de ataques desde terça-feira. “O deputado que tem mente suja vem aqui dizer que é professor. A discussão na escola não passa por essa coisa suja que talvez o deputado esteja acostumado.”Em nota, a Seduc confirma que “está recolhendo o livro que chegou às escolas via escolha na relação de obras literárias aprovadas no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) em 2022 a ser utilizado a partir de 2023”. A pasta, comandada pela secretária Fátima Gavioli, ainda aponta que “a orientação de recolhimento às coordenações regionais de Educação (CREs) tem a finalidade de possibilitar uma análise do livro quanto ao atendimento da proposta pedagógica da rede pública estadual de ensino”.Por fim, a secretaria garante que “fará a leitura e análise com vistas a definir se o livro poderá ou não ser distribuído”. “O objetivo é assegurar que a obra literária que chegue à escola possa efetivamente contribuir com o desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes com base no currículo estadual”, concluiu a nota.A Secretaria de Comunicação Social (Secom) do governo federal declarou, em nota divulgada em 2 de março, que “peças de desinformação estão repercutindo de maneira deturpada a escolha da obra ‘O Avesso da Pele’ como material a ser adotado em salas de aula no Brasil”. O texto informa que o livro foi incluído no PNLD, bancado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), por meio de portaria de setembro de 2022, assinada pelo então secretário de educação básica substituto, Gilson Passos de Oliveira, depois de passar por uma seleção publicada em edital de 2019, durante o governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL).Além disso, a nota da Secom esclarece que a escolha das obras literárias a serem adotadas em sala de aula é feita pelos educadores de cada escola, a partir de um guia digital, onde os livros do programa estão listados para conhecimento de professores e gestores. Só livros analisados e escolhidos pela equipe escolar são encaminhados. Depois da polêmica, iniciada no Rio Grande do Sul, o livro em questão teve aumento de 400% na procura por compra em sites de venda, como a Amazon.