Na série sucesso da Netflix Stranger Things, o garoto Mike Wheeler (Finn Wolfhard) e seus amigos eram apaixonados por um jogo de tabuleiro, Dungeons & Dragons, cujo personagem Dermogorgon acaba se tornando um dos vilões da trama. Embora ambientada nos anos 1980 e tendo muita ficção científica, a produção colocou em evidência uma mania que mantém fôlego há décadas entre adolescentes e jovens e persiste ainda hoje, em plena era digital: o hábito de reunir a turma para curtir jogos analógicos.Bastam um par de dados, uma mesa e muita imaginação. Que atire a primeira pedra quem nunca varou madrugadas engajado em partidas quase intermináveis de jogos como Banco Imobiliário, War, Jogo da Vida ou Clue. Engana-se que acha que isso é coisa do passado e que videogames de alta resolução on-line acabariam com o tipo de brincadeira. E mesmo que o comportamento remeta ao chamado universo geek – ou nerd –, ele não se restringe a somente uma tribo.É o que atesta o universitário Ian Nunes, de 20 anos, e muitos de seus amigos. O rapaz se dedica a jogos de tabuleiro desde os 9 anos. Sua primeira experiência foi com o jogo Clue, que simula o trabalho de um detetive para desvendar um crime. Desde então não parou mais. Sempre foi curioso com o universo dos mistérios, assim que conheceu o jogo, o jovem ficou encantado. “Quando uma prima me apresentou, fiquei marcado para sempre”, relata.Estudantes de Relações Internacionais, Ian garante que os jogos de tabuleiros auxiliaram inclusive em sua formação. “Eles ajudam a desenvolver raciocínio lógico, novas amizades e até me ajudou em outros idiomas”, enumera. Para muitos pesquisadores, o que o universitário constatou na prática parece ter mesmo fundo de verdade. Segundo a psicóloga comportamental Dalva Machado, jogos de tabuleiros ajudam a desenvolver funções que possivelmente serão úteis durante toda a vida.Ela trabalha com o público infantojuvenil há cerca de 15 anos e explica que jogos de tabuleiro podem contribuir para a formação psíquica. “Os tabuleiros ajudam a desenvolver a psicomotricidade (funções motoras e psíquicas), a memória visual e verbal, os conflitos emocionais, sem falar que desenvolve a interação social”, aponta.PersonalidadeA psicóloga usa jogos de tabuleiros em sessões de terapia com pacientes. “Com os jogos, consigo entender como vou lidar com o paciente, saber se é sereno, calmo, se tem boa concentração”, exemplifica. A especialista diz que as diferenças entre jogos digitais e de tabuleiro são cruciais. “O eletrônico, por ser mais rápido, não trabalha raciocínio e interação social”, comparta. Ela afiança também que não há limites de idade. “Jogos são ótimos para crianças e adolescentes, mas também excelentes para adultos e idosos, já que estimulam concentração e memória.”O engenheiro civil Fillipe Albuquerque, de 30 anos, diz que os jogos sempre fizeram e sempre farão parte de sua vida. Ele teve o primeiro contato com tabuleiros aos 10 anos, por intermédio de um amigo. Hoje ensina para o filho Lucas, de 8 anos, a tomar gosto pela prática. A paixão é tanta, que o engenheiro integra um grupo chamado Quero Jogar RPG, que organiza periodicamente competições e eventos sobre o mundo geek.Fillipe lamenta que em Goiânia ainda são poucos eventos de jogos de tabuleiros, comuns em muitas cidades pelo mundo. “Se antigamente jogávamos só com família e parentes, hoje queremos jogar com pessoas diferentes”, afirma. Ele explica que a maioria dos jogos é dividida entre competitivos e cooperativos e cada desenvolve uma habilidade distinta. “Os competitivos são duelos. Alguém vai ganhar e alguém vai perder. Já nos cooperativos o objetivo é ganhar em conjunto, então você tem que trabalhar em equipe”, valoriza. (Guilherme Melo é estigiário do convênio entre o Grupo Jaime Câmara e a Faculdade Araguaia. Com supervisão de reportagem e texto de Rodrigo Alves)-Imagem (Image_1.1498477)