Um dos principais nomes da literatura brasileira e uma das últimas escritoras de uma geração que marcou a produção literária nacional, a escritora Lygia Fagundes Telles morreu aos 98 anos, em São Paulo. Ela estava em sua casa, na capital paulista, e teve sua morte confirmada pela agente literária Lucia Riff e pela Academia Paulista de Letras.SAIBA MAIS• Morre em São Paulo a escritora Lygia Fagundes Telles• A unânime mestre LygiaA escritora é um marco na literatura brasileira e recebeu os principais prêmios -foi ganhadora do prêmio Camões em 2005, o maior troféu da literatura em língua portuguesa, além de ter vencido o Jabuti em 1966, 1974, 1996 e 2001. Ela fazia parte da Academia Brasileira de Letras desde 1985, além de pertencer também à Academia Paulista de Letras.Sua obra conta com títulos incontornáveis como Antes do Baile Verde, de 1970, As Meninas, de 1973, Ciranda de Pedra, de 1954, O Jardim Selvagem, de 1965, entre outros.Sua prosa mergulha na dimensão psicológica dos personagens, usando a narrativa como uma escavação para encontrar o que de mais profundo existe no ser humano -mas sem afastar o subjetivo da realidade social e coletiva. Um exemplo é justamente As Meninas, relato que explora principalmente as questões de três narradoras universitárias, mas intimamente ligado à ditadura militar brasileira. O livro surgiu depois que Lygia recebeu em casa um relato de tortura realizada pelo governo.Filha de um delegado e promotor público, a autora nasceu em São Paulo em 1923, mas passou toda a infância em diferentes cidades do interior paulista -entre elas, Areias, Assis, Apiaí e Sertãozinho. De volta à capital, estudou na escola Caetano de Campos, onde recebeu os primeiros incentivos literários.Foi justamente nessa época que escreveu seu primeiro livro, que viria a destruir tempos depois. Segundo ela, a pouca idade não justificava a má literatura da obra. “Hoje uma jovem de 15 anos fuma, bebe, lê Kafka, discute sexo -enfim, ousa tudo. Eu, com essa idade, era só ignorância. E medo”, disse Lygia sobre esse seu primeiro livro.Estudante da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, a autora publicou oficialmente seu primeiro livro de contos, Praia Viva, em 1944. Mas foi difícil fazer com que a obra saísse, já que muitos editores recusavam a publicação, como ela mesmo reclamou em carta para Erico Verissimo em 1941.Seguiram-se então O Cacto Vermelho, de 1948, que venceu prêmio da Academia Brasileira de Letras. E, em 1954, saiu seu primeiro romance, Ciranda de Pedra, um marco em sua obra -tanto que o crítico Antonio Candido diz que essa foi a fronteira da maturidade em sua literatura.Na vida pessoal, Lygia foi procuradora do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo até a aposentadoria. Em 1947, casou-se com Goffredo Telles Jr., seu professor de direito, de quem herdou o sobrenome usado para assinar seus livros. Separada, casou-se mais uma vez, nos anos 1960, com o escritor e cineasta Paulo Emílio Salles Gomes.Do primeiro casamento, nasceu seu único filho, Goffredo Telles Neto, cineasta que morreu em 2006, aos 52 anos. “De um certo modo, eu me transformei numa espécie de testemunha dele e de mim. Quando ele morreu, eu pensei: O que estou fazendo aqui? Vou morrer junto? E decidi escrever. Sobre ele, nunca; isso eu não poderia fazer. Mas de um certo modo, a lembrança do meu filho está em tudo”, disse ela ao jornal Folha de S.Paulo em 2007.Na mesma entrevista, Lygia declamou um poema de Carlos Drummond de Andrade: “As coisas tangíveis/ tornam-se insensíveis/ à palma da mão. // Mas as coisas findas,/ muito mais que lindas,/ essas ficarão”. “É lindo esse poema, não? Como dizia meu pai, ninguém morre”, disse ela.O velório da autora ocorreu na sede da Academia Paulista de Letras e foi aberto ao público.Delicadeza e elegância Diferentes nomes do mercado editorial lamentaram a morte de Lygia Fagundes Telles. “Sentiremos muita falta da delicadeza, elegância e carinhos que Lygia dedicava à sua literatura e também a nós, seus editores. Nossa relação era mais que afetiva. Era um verdadeiro amor entre autora e seus editores. Uma profunda falta é o que sentiremos a partir de hoje”, diz Luiz Schwarcz, fundador e editor da Companhia das Letras, em nota publicada pela editora.Em nota, a Academia Paulista de Letras também lamentou a morte. “A mais notável personalidade da literatura brasileira, patriota e democrata, já era lenda em vida. Permanecerá no Panteão das glórias universais. A gigantesca e exuberante obra continuará a ser revisitada, enquanto houver leitor no mundo”, escreveu José Renato Nalini, presidente da instituição.Para o também escritor português Valter Hugo Mãe, “parece que todos, com ela, morremos juntos um pouco”.Indicação ao NobelEm 2016, o nome de Lygia Fagundes foi escolhido pela União Brasileira de Escritores (UBE) para concorrer ao Prêmio Nobel de Literatura. De tempos em tempos, a UBE é convidada pela Real Academia Sueca, entidade que concede a premiação, para indicar concorrentes.Na época, o então presidente da associação, Durval de Noronha Goyos, afirmou em comunicado: “Lygia é a maior escritora brasileira viva e a qualidade de sua produção literária é inquestionável.” Apesar da festa feita em torno da informação da indicação, o reconhecimento da academia sueca ainda não veio para a literatura brasileira.LIVROS DA AUTORAPorão e SobradoPrimeiro livro publicado por Lygia, em 1938, a obra traz a temática da desigualdade social e um enredo sobre as divergências vividas por moradores de porões e de sobrados nas cidades.Praia VivaPublicado em 1944, o primeiro livro de contos de Telles demorou para sair. Isso porque muitos editores recusavam sua publicação, como a própria escritora reclamou em carta para Erico Verissimo, em 1941. A obra traz contos que narram relações frustradas.Ciranda de PedraConsiderado um marco em sua carreira, o livro, de 1954, é o primeiro romance da escritora. Dividida em duas partes, a obra narra a história de Virginia em dois momentos: na infância, com a mãe separada, e anos mais tarde, tendo que lidar com a família e os conhecidos. Romance foi adaptado duas vezes em novelas da Globo. A primeira versão foi exibida em 1981, e segunda, em 2008. Verão no AquárioO romance traz uma história de conflito de gerações entre uma mãe, Patrícia, e sua filha, Raíza, que discutem frequentemente. Narrado em primeira pessoa, o livro, de 1963, deixa algumas perguntas no ar para o próprio leitor responder de acordo com sua opinião.Antes do Baile VerdePublicado em 1970, esse é o livro de contos mais conhecido da carreira da escritora, e rendeu a ela o troféu do Grande Prêmio Internacional Feminino para Contos Estrangeiros, em Cannes, na França. O livro traz temas como loucura, adultério, conflitos familiares e relações conturbadas.As MeninasVencedora do Jabuti, a obra, de 1973, é um dos romances mais famosos de Lygia e chegou a inspirar uma adaptação para as telonas, dirigida por Emiliano Ribeiro e estrelada por Adriana Esteves, Drica Moraes e Cláudia Liz, em 1995. Cercado por tons políticos, o livro traz a história de três amigas universitárias que vivem clichês da juventude em meio ao período da ditadura militar brasileira.A Disciplina do AmorA escritora submete discursos apaixonantes à realidade ficcional no livro, de 1980. Vencedor dos prêmios Jabuti e da Associação Paulista de Críticos de Arte, a obra oscila entre a invenção e a memória da escritora.Durante Aquele Estranho CháPublicado em 2002, o livro reúne relatos de memória de Lygia, de diversas épocas e nuances, como os de seus encontros com nomes como Simone de Beauvoir, Jean-Paul Sartre e Hilda Hilst.Passaporte Para a ChinaA obra, de 2011, traz uma série de depoimentos da escritora sobre a viagem que ela fez à China, em 1960, a convite da delegação brasileira durante o 11º aniversário do socialismo chinês.