“Quando eu soltar a minha voz/ Por favor, entenda/ Que palavra por palavra eis aqui uma pessoa/ Se entregando...” Quando a baiana Maria Bethânia canta, a canção é o corpo inteiro, a entrega é total, assim como nos versos de Sangrando (1980), hino de Gonzaguinha, tão presente no seu repertório. A artista, uma das mais importantes da música popular brasileira, completa nesta sexta-feira 75 anos e o presente para os fãs deve chegar somente no final de julho, com o lançamento do novo álbum, Noturno. Discreta, ela optou por celebrar a data de forma íntima. Infelizmente, nenhuma programação especial.“A Bethânia é uma cantora dramática, muito pessoal e única. A gente precisa lembrar que ela é de uma geração de muitas boas cantoras, talvez ela não tenha a técnica de uma Elis, a voz clara, límpida e o timbre da Gal Costa, mas ela surgiu como uma identidade forte. Ela influenciou os tropicalistas ao ser a primeira a chamar a atenção para o Roberto Carlos, sem se filiar a movimentos. Ela também foi quem melhor administrou a carreira. Se não fosse a pandemia, estaria enchendo teatros”, avalia o crítico de música e membro votante do Grammy Latino Antônio Carlos Miguel, mais conhecido como ACM, em entrevista ao POPULAR.Nascida em Santo Amaro da Purificação, Região Metropolitana de Salvador (BA), batizada com o nome sugerido pelo irmão, Caetano Veloso, Maria Bethânia se tornou a grande dama da história da música brasileira. A voz inconfundível, ora doce, ora potente, ostenta um impressionante legado em 56 anos de trajetória, com dezenas de discos lançados (mais de 50), trilha de tantas novelas, interpretações antológicas e uma legião de fãs, os bethamaníacos. A Abelha Rainha, como é conhecida, é a voz feminina que mais vendeu discos nos anos 1970 e uma das pedras fundamentais para o surgimento da MPB.A cantora ganhou projeção nacional desde que entrou em cena, em fevereiro de 1965, em palco no Rio de Janeiro, substituindo Nara Leão (1942-1989). “Meu nome é Maria Bethânia Vianna Telles Veloso. Tenho este nome de latifundiária baiana, mas sou baiana só. Tenho 18 anos, não consigo sair do ginásio por causa da matemática. Sou filha de um bom sujeito, funcionário do Correio, eu e mais oito irmãos. Agora sou cantora, mas até os 12 anos eu era meia esquerda do time de Santo Amaro onde nasci”. Assim ela se apresentou na abertura do show e chamou atenção da crítica cantando Carcará (João do Valle).Após a euforia da estreia, a aniversariante construiu sua identidade musical e rapidamente se tornou uma artista popular. Em 1975, ela se encontrou com Chico Buarque e juntos eles lançaram o disco Chico Buarque e Maria Bethânia, que foi gravado ao vivo no tradicional Canecão, no Rio de Janeiro. No ano seguinte, ao lado de Caetano, Gilberto Gil e Gal Costa formaram o grupo Os Doces Bárbaros, com a finalidade de realizar uma turnê em comemoração aos dez anos de carreira dos cantores. A trajetória dos quatro artistas ficou registrada em um filme e em um álbum duplo, homônimos, lançados na época.ConsagraçãoBethânia não demorou muito a se tornar uma das artistas mais pedidas nas rádios de todo o Brasil. O sucesso foi graças à gravação de Olhos nos Olhos, de Chico Buarque, feita para o CD Pássaro Proibido, 13º da carreira e que lhe rendeu seu primeiro disco de ouro. Já a consagração veio com Álibi (1978), que vendeu quase 1 milhão de cópias e foi batizado com a música do então emergente compositor Djavan. Do repertório, Explode Coração (Gonzaguinha) e Sonho Meu (Dona Ivone Lara) tocaram sem parar. Nos palcos, ela revolucionou pelas performances, mesclando músicas e poemas em suas apresentações.O trabalho seguinte foi ainda mais estourado. Mel (1979), título de Caetano Veloso com Waly Salomão (1943-2003), de onde surgiu o apelido de Abelha Rainha. O disco fez parte de um movimento de revolução musical feminina, em que cantoras, como Marina Lima, não estavam presas ao comportamento machista dos compositores e evidenciaram o prazer feminino nas suas letras. Ao longo de 12 faixas, Bethânia propagou o desejo em canções como Cheiro de Amor (Jota Moraes, Duda Mendonça, Paulo Sérgio e Ribeiro), Da Cor Brasileira (Ana Terra) e o samba Infinito Desejo (Gonzaguinha).Em 1993, Bethânia lança o disco As Canções que Você Fez pra Mim, com músicas de Roberto e Erasmo Carlos, que fez um enorme sucesso e até hoje é o mais vendido de sua carreira - atingindo a marca de 1,5 milhão de cópias. As canções foram escolhidas pela baiana e o repertório traz canções como Detalhes, Emoções e Fera Ferida. Em 2012, gravou o projeto Oásis de Bethânia com a participação do cantor Lenine e, em 2014, a faixa foi indicada ao Grammy Latino de melhor música brasileira. Também foi eleita pela revista Rolling Stone Brasil a quinta maior voz da música brasileira. Quase prontoEm 2020, durante seis meses, Bethânia optou por ficar isolada em casa, no Rio de Janeiro, se protegendo da Covid-19. Em setembro, ela decidiu entrar em estúdio para gravar um novo disco, que inclui músicas inéditas. Batizado de Noturno, o trabalho trará no repertório canções conhecidas do público e que fizeram parte da turnê Claros Breus, como A Flor Encarnada (Adriana Calcanhotto), Luminosidade (Chico César) e Evidências (José Augusto e Paulo Sérgio Valle), clássico dos sertanejos Chitãozinho & Xororó. Mais uma regravação vem do fundo do baú da MPB: Bar da Noite, de Nora Ney, lançada nos anos 1950.Entre as inéditas do novo projeto, a canção-protesto 2 de Junho, também de Calcanhotto. Na letra, Bethânia mostra sua revolta contra a tragédia de Miguel Otávio, o menino pernambucano morto aos 5 anos, ao cair do 9º andar de um prédio de luxo em Recife por negligência da patroa de sua mãe — caso que mobilizou o Brasil e foi usado como exemplo de “racismo sistêmico” em documento da Organização das Nações Unidas (ONU). A canção foi apresentada na única live da cantora, realizada no dia 13 de fevereiro, em celebração aos seus 56 anos de carreira para atender aos pedidos de show. Shows em GoiâniaAntes da pandemia, o último show de Maria Bethânia em Goiânia foi em 2013, com a turnê Carta de Amor, no Teatro Rio Vermelho. No repertório, canções do CD Oásis de Bethânia, lançado em março de 2012 e que estreou em novembro do mesmo ano no Rio de Janeiro. Na apresentação na capital, a artista conversou pouco com o público, mas quando fez isso agradeceu os muitos aplausos e encantou a plateia com sucessos como Canções e Momentos, composição que Milton Nascimento e Fernando Brant dedicaram a ela, Explode Coração e O que É, o que É?, de Gonzaguinha. Em 2012, no mesmo espaço, ela também tocou na cidade com repertório de sucessos de Chico Buarque no Circuito do Banco do Brasil.