Um homem sedutor, romântico, magnético, que conquistou e enganou mulheres que conheceu por meio de um aplicativo de relacionamentos. À primeira vista, a história do filme O Golpista do Tinder, da diretora Felicity Morrisse, se assemelha a relatos que são vistos com certa frequência no noticiário policial. Mas em menos de 20 dias, o documentário alcançou o topo das produções mais vistas da plataforma de streaming e virou um dos assuntos mais comentados na internet.SAIBA MAIS• Autoras de livro sobre relacionamentos virtuais analisam filme• “Eu estava apaixonada por uma ilusão”, diz goiana vítima de golpeO documentário é baseado em uma reportagem do jornal norueguês VG, publicada em 2019, que aponta o israelense Shimon Hayut como o responsável por extorquir mais de 10 milhões de dólares (R$ 52 milhões) de suas vítimas, ao se passar por um herdeiro russo bilionário do ramo de diamantes. Usando o nome de Simon Leviev, ele ostentava uma vida de luxo e glamour na internet para atrair mulheres sob a ilusão de estarem vivendo um conto de fadas.Especialistas ouvidos pelo POPULAR apontam que o homem que ficou conhecido como golpista do Tinder teve êxito porque colocou todos os ingredientes que um determinado perfil de mulheres deseja. Para começar, ele é o “príncipe dos diamantes”. É atencioso, elegante, liga todos os dias, manda flores, leva a bons restaurantes e proporciona viagens inesquecíveis. É o que conta Cecilie Fjellhøy, uma das três mulheres que participam do filme. No primeiro encontro, Simon a convidou para tomar café em um dos hotéis mais caros de Londres e, antes que o encontro terminasse, a chamou para viajar com ele e sua equipe para a Bulgária, em um jatinho particular. Cecilie relata que se sentiu como a protagonista de um filme.O esquema do israelense consistia em esbanjar riqueza para atrair pretendentes, fazê-las se apaixonar pelo enredo que construía. Mas o sonho virava pesadelo quando o herdeiro da família bilionária do ramo de diamantes começava a ser perseguido e ameaçado por “inimigos”. Era nesse momento que ele começava a extorquir namoradas e amigas o máximo possível. O dinheiro arrecadado com as vítimas era usado para enganar outras mulheres. Cecilie, por exemplo, retirou mais de 200 mil euros em empréstimos bancários, com nove credores diferentes, por acreditar que Simon era seu namorado e precisava ajudá-lo.Em liberdadeApós denúncias das vítimas, Shimon Hayut chegou a ser preso em 2019, na Grécia, por uso de documento falso, mas atualmente está em liberdade. Ele vive em Israel, seu país natal, e ainda ostenta uma vida luxo em seus perfis nas redes sociais.Após o lançamento do filme, o perfil de Shimon Hayut foi banido do Tinder e outros aplicativos de relacionamento, como OkCupid, Hinge e PlentyofFish. No entanto, o israelense tem aproveitado a visibilidade proporcionada pelo documentário e já pensa em faturar alto. Assinou contrato com uma agente de Hollywood e vislumbra possibilidades como escrever um livro, apresentar um podcast sobre relacionamentos e estrelar um programa de namoro com mulheres competindo para ficar com ele.Em entrevista a uma TV norte-americana nesta semana, o israelense nega que tenha cometido crimes. “Eu era apenas um cara solteiro que queria conhecer algumas garotas no Tinder, não sou golpista”, disse Hayut, que convidou a atual namorada para participar da conversa com o entrevistador, via chamada de vídeo. Ele aproveitou a oportunidade para criticar a produção feita pelo Netflix. “Eles anunciam como se fosse um documentário, mas na verdade é como um filme completamente inventado”, alega.Casos diversos em GoiásApesar do filme retratar vítimas europeias, esse tipo de crime, denominado como estelionato pela legislação brasileira, acontece com frequência no Brasil, inclusive em Goiás. Atual coordenadora do núcleo de inteligência do Tribunal de Justiça de Goiás, Sabrina Leles esteve por quatro anos à frente da Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Cibernéticos (DERCC), onde se deparou com vários casos de estelionatários que utilizavam as redes sociais para procurar por potenciais vítimas: geralmente, pessoas mais de idade, com certa renda e carentes. “Nas redes sociais as pessoas expõem bastante sobre suas vidas, e os criminosos têm um terreno muito fértil para descobrir tudo”, diz Sabrina. Ao contrário de Simon Leviev, a maioria dos golpistas investigados por Sabrina não fornecia luxo às vítimas. “O criminoso quer lucro rápido e fácil, e não vai investir para isso, nem se expor pessoalmente”, ressalta a coordenadora do núcleo de inteligência. Sabrina de deparou com farsantes que se passavam por militares estrangeiros em busca de casamento e com a suposta vontade e vir morar no Brasil. Depois de um tempo de contato no webnamoro, o estelionatário informava que queria enviar algo valioso para o País, como uma mala de dinheiro. Quando ele chegasse no Brasil, iria se casar com a vítima e viver com o respectivo dinheiro. A partir do momento que a vítima aceitava receber a mala, o golpe era dado. Taxas de alfândega, de transportadora, de escolta e de diversos outros empecilhos que a pessoa enganada precisava pagar para resolver. Durante os anos na delegacia especializada, ela destaca dois casos marcantes. Um deles ocorreu com uma professora do ensino primário que precisou ir até a delegacia de ônibus por ter perdido todas as suas economias em empréstimos consignados. Também relatou o drama de um homem casado, pai de família, que se matou após descobrir que a suposta militar pela qual tinha gasto todo o patrimônio era, na verdade, uma golpista. O fato mostra que homens não estão livres da lábia dos criminosos.Extorsão sexualO atual delegado da DERCC, Daniel Oliveira, relata que há ainda os casos de sextortion - extorsão sexual. O crime consiste na ameaça de divulgar fotos íntimas da pessoa na internet, caso pagamentos não sejam efetuados. Ele adverte que, para não ser enganado, é preciso observar a quantidade de informações pessoais que o outro está disposto a ceder. “Se uma pessoa aparece de forma avulsa, com uma história mirabolante e não fornece muita informação sobre sua vida pessoal, é geralmente indício de golpe”, comenta. Para Oliveira, apesar da diversidade de casos em Goiás e no Brasil, a grande repercussão midiática do longa-metragem do Netflix pode ser explicada pela trama elaborada que o golpista construiu para enganar suas vítimas. “Ele criou uma persona fascinante que apareceu na vida de pessoas comuns, então acho que o público se coloca no lugar das mulheres enganadas.-Imagem (Image_1.2407641)-Imagem (Image_1.2407642)-Imagem (Image_1.2407643)