Italiano radicado no Brasil, o pesquisador Carlo Patti dedica estudos às implicações da energia nuclear no mundo, com foco no papel do programa atômico brasileiro no regime mundial de não proliferação nuclear. Mestre em Relações Internacionais e doutor em História, professor efetivo da UFG desde ano passado, ele falou ao POPULAR sobre o assunto que na semana que passou ganhou destaque na universidade. Quais implicações das bombas de Hiroshima e Nagasaki refletem ainda hoje?Elas deixaram impactos positivos e negativos. Naquele momento ficou claro a potencialidade da energia nuclear. E foi o momento em que os Estados Unidos se tornaram superpotência. Na psicologia coletiva, as cidades se tornaram símbolo da força destruidora humana. Hoje a sociedade percebe o perigo iminente do uso terrorista da energia nuclear. Há interpretações de que se não houvesse as bombas no Japão hoje estaríamos em um mundo completamente diferente. É possível dizer como?Quando a bomba atômica foi usada, vários países já estudavam energia nuclear. Temia-se, por exemplo, a bomba alemã. Também havia um projeto soviético, incipiente. Claramente, a arma atômica marcou o fim da Segunda Guerra. Em História, fazer contrafactuais é difícil, mas se a arma nuclear não estivesse nas mãos dos Estados Unidos, outro país a teria feito. Americanos, ingleses, alemães, italianos, franceses, soviéticos, todos tinham consciência do uso da energia para destruição. As bombas também afetaram a postura do Brasil? Hiroshima modificou a posição do Brasil. O País teve a percepção de que tinha de estudar a energia nuclear. Naquela época o Brasil era potência pequena e tinha na energia nuclear uma de forma se industrializar e criar uma força militar. Já havia consciência de que o País tinha materiais para produzir energia nuclear, com jazidas de urânio. O senhor observa uma postura dúbia do Brasil por muito tempo sobre armas nucleares. Como foi?Como outros países, o Brasil ficou surpreso em 1945. Mas no regime militar, entre 1964 e 85, houve dúvidas sobre a vontade do País de desenvolver artefatos nucleares. Na época o Brasil não aderiu ao tratado de não proliferação nuclear. A dubiedade existiu também nos anos 1950, mas isso ainda está sendo explorado por historiadores. Hoje a postura é claramente contra. Há também uma crítica brasileira às potências que têm armas nucleares, querem um mundo sem elas, mas não fazem esforços para se desarmarem. Há ao menos duas leituras sobre a decisão americana de usar as bombas: uma que a qualifica como “terrorista” e outra como “golpe de misericórdia”. Como o senhor analisa?Uma terceira é que os Estados Unidos teriam usado a bomba para mostrar poder à União Soviética. Mas houve sim um golpe de misericórdia. Havia, por exemplo, milhões de tropas japonesas em combates na Manchúria (nordeste da China). As bombas foram jogadas em 6 e 9 de agosto e a rendição do Japão foi assinada em 2 de setembro. Então, marcou-se um ponto final. É preciso lembrar que quando as bombas foram jogadas não se sabia se funcionariam e os efeitos da radioatividade.