Um microfone ligado, um cômodo silencioso e uma ideia na cabeça. Tirar um podcast do papel não é uma tarefa tão simples assim, é verdade, mas vem atraindo cada vez mais produtores por permitir uma imensa gama de formatos, tipos de conteúdo e duração. Entrevista, mesa-redonda, narrações de histórias reais, resumo de notícias, reportagens aprofundadas. Como temáticas desde cultura pop, política, cinema e crítica musical até ficção científica, astrologia, casos criminais e bem-estar. Tem espaço para (quase) tudo. E, para quem está flertando com esse tipo de produção, é possível começar com pouco investimento ou até mesmo de graça. O podcast é, antes de tudo, democrático.Em junho do ano passado, o POPULAR publicou uma reportagem sobre as primeiras evidências do aumento do consumo de materiais em áudio no período da pandemia. De lá para cá, o cenário mudou em vários aspectos, mas a crescente dos ouvintes segue sendo uma realidade. Um levantamento desenvolvido e divulgado recentemente pela Globo e Ibope analisa o boom do consumo de podcasts no Brasil. Mais de mil pessoas foram entrevistadas entre setembro de 2020 e fevereiro de 2021. Dessas, 57% começaram a ouvir podcast na pandemia; 43% já ouviam, mas 31% passaram a ouvir mais do que antes.Como “porta de entrada”, as maiores razões para começar a ouvir podcasts foram a busca por assuntos do próprio interesse, curiosidade sobre o formato e indicação de amigos e familiares. O momento em que consomem o produto também é um fator que explica a sua boa aceitação: 44% dos entrevistados ouvem realizando tarefas domésticas, 38% enquanto navegam na internet e 24% no caminho para o trabalho ou faculdade.Boom de produções Além do aumento do consumo, o Brasil lidera o ranking em 2020 de países com maior crescimento na produção de podcasts - fatores que estão diretamente ligados, como explica a mestre em comunicação e repórter da Rádio CBN Bárbara Falcão. Ela está à frente da Reverbera!, primeira produtora de podcasts do Centro-Oeste sediada em Goiânia e que atua há três anos nesse nicho.“Acredito que o aumento das produções se deve, principalmente, à popularização do podcast. E isso só ocorreu por conta da maior profissionalização, ou seja, mais investimentos e mais empresas atuando no ramo. Grandes corporações como o Grupo Globo entraram nesse mercado, contribuindo muito com o movimento de atrair um público novo”, comenta.O comportamento da população mudou nesse período, o que também influenciou na forma de consumo. “As pessoas passaram a ouvir os podcasts em horários diferentes e associado a atividades diferentes de antes, como arrumar a casa e cozinhar, coisas que foram muito frequentes na pandemia”, aponta.Bárbara observa que Goiás também entrou na onda. “A produção cresceu, seguindo um movimento mundial e nacional. Minha trajetória com os podcasts começou em 2018, como ouvinte, e em 2019 ela se intensificou, com a Reverbera!. Quando começamos, não havia outras empresas que fizessem o que a gente faz, de ajudar a tirar uma ideia do papel. Hoje, já existem algumas voltadas para a gravação, e essas empresas só surgiram porque há demanda”, aponta.Produções made in Goiás Com mais pessoas interessadas em ouvir, há mais espaço para quem deseja criar. O empurrãozinho que falta para tirar um podcast do papel e lançá-lo nas plataformas digitais pode ser diferente para cada criador. O POPULAR conversou com alguns produtores goianos sobre a concepção e o lançamento de seus projetos, que estão disponíveis nas plataformas de áudio - e quase todos eles surgiram durante a pandemia. Gustavo Miranda, de 27 anos, é o publicitário e podcaster à frente do Tomando no Gu, um podcast de entretenimento, comunicação e atualidades. A decisão de criá-lo foi em meados de janeiro de 2020, mas os planos iniciais foram logo interrompidos. "A primeira ideia era reunir os convidados na mesa da minha sala e gravar as conversas em tom descontraído. Mas, com a pandemia, isso não dava mais para ser feito", lembra. A saída era uma só: gravar a distância. "Ver que os podcasts que eu escuto fizeram assim e que deu super certo deu o start para o projeto sair", diz. O nome, que faz um trocadilho engraçado com uma expressão bem popular (e que dispensa explicações), foi sugestão de um amigo para dar o tom de leveza e humor que permeariam os futuros episódios que Gustavo gravou e editou do zero. Ele também produziu a abertura do podcast, realizando todas as etapas de forma bem caseira, como ele define. Venda de "nudes" no OnlyFans, moda como expressão da identidade, veganismo e o reencontro da icônica banda RBD são alguns dos temas dos 33 episódios disponíveis nas plataformas de áudio. Em julho deste ano, no entanto, Gustavo precisou fazer uma pausa do Tomando no Gu para cumprir algumas demandas do seu mestrado. "Tirei esse tempo também para reorganizar algumas ideias, pensar melhor no projeto e no formato do podcast. Mas eu já tenho até episódios gravados, prontinhos para serem postados e fazer o retorno", diz.Pink e Cerébro em gravaçãoAs amigas Cecília Fernandes, de 21 anos, e Caísa Reis, de 26 anos, mergulharam de cabeça no projeto do CPod, podcast semanal sobre comunicação, ciência e cultura pop, que está no ar desde agosto de 2020. A ideia é descomplicar algumas máximas dos anos 2000 e desenvolver conversas sobre sociedade, cultura e comportamento. Já na terceira temporada e no episódio de número 61, o podcast nunca foi gravado de forma presencial. "Por conta da pandemia, a Caísa precisou voltar a morar em São Paulo. Gravamos sempre de forma remota", conta Cecília. Depois do material bruto gravado, elas enviam para um estúdio profissional para ser editado. "Com o Cpod, queremos criar uma rede de trocas e devolver para o mundo tudo o que uma universidade pública proporcionou pra gente", diz Cecília. Ela e Caísa se conheceram em um projeto da Universidade Federal de Goiás chamado Comunica Estúdio Escola. A paixão em comum por produção audiovisual em suas diversas formas e a vontade de criar conteúdos foi o que uniu as duas. "É como a Caísa fala: juntamos a fome com a vontade de comer. Tínhamos esse ímpeto de colocar nossas ideias e pensamentos em uma ferramenta comunicacional para conversar sobre assuntos sociais importantes que, às vezes, deixamos passar em branco", explica. "E queremos fazer muito mais ainda. A meta é a dominação mundial", brinca. Toda forma de amorTodo mundo tem uma história para contar. Foi a partir dessa premissa que a jornalista e podcaster Lara Leão, de 30 anos, criou o Sobre Todos os Casos, podcast que registra histórias de pessoas reais que entram em contato com ela por e-mail. Chegam casos de todo tipo: tristes, felizes, curiosos, engraçados. A temática que eles têm em comum é o amor. "O objetivo do STOC, apelido carinhoso do podcast, é falar sobre o amor em suas diferentes formas, não só o amor romântico", comenta.O período da pandemia deu o empurrãozinho que faltava para Lara executar o projeto, que nem sempre foi de um podcast. Depois de avaliar as possibilidades, ela decidiu pelo formato por conseguir produzir tudo sozinha. "É uma produção mais simples. Investi em um microfone e eu mesma gravo e edito", explica. Os fiéis ouvintes contam que o STOC se tornou companhia de atividades rotineiras, como enfrentar o trânsito e lavar a louça. "Falam que o tempo passa mais rápido assim", se diverte. "Tem uma pessoa que relatou o ritual que ela faz para ouvir o episódio da semana: depois de tomar um banho, ela deita e coloca para tocar. É o momento dela de fazer nada, de relaxar", conta.Papo musicalTrês amigos apaixonados por música ligam os microfones para ter uma conversa descontraída sobre diferentes gêneros e personalidades da indústria fonográfica. Cada um traz a sua bagagem musical e visão de mundo para contribuir com o debate. Mas não se engane: apesar da leveza, o assunto está sempre sendo levado bem a sério. “Esse tom mais descontraído era algo que a gente sentia falta como ouvintes de podcast sobre música antes de criarmos o Berimbolo Musical”, comenta Marcus Vinicius Calil, mais conhecido MV quando está dividindo a mesa com os outros dois apresentadores, Lucas Vasconcellos e André Alps.Lucas está à frente de um estúdio de produção musical, que era onde os amigos gravavam o podcast. “A primeira temporada inteira foi gravada presencialmente. Da segunda, deu para fazer somente um episódio assim por conta da pandemia”, explica Marcus. Alinhar as novas rotinas e fazer a gravação a distância fez com que o podcast precisasse dar uma pausa, realidade de muitas produções que são projetos pessoais de seus criadores. “Acredito que esse mês já estamos de volta”, adianta.Sempre informadoAcompanhando a tendência mundial, jornais e veículos de comunicação também apostam nos podcasts para levar notícias em diferentes formatos e linguagens diferentes, promovendo um contato de forma direta com o ouvinte. "Com o podcast, a escuta é individualizada e o potencial de gerar autoridade é imenso. Existe, ainda, a flexibilidade em relação ao tempo, já que as pessoas podem ouvir um programa quando quiserem e, inclusive, alterar a velocidade de reprodução”, comenta a jornalista Bárbara Falcão. “Embora haja um crescimento no interesse por conteúdos em áudio, não podemos achar que é só colocar o pé ali e se favorecer desse movimento. É preciso fazer isso de forma consistente, porque parece ser uma coisa que veio para ficar”, comenta Fabrício Cardoso, editor-executivo do POPULAR. O podcast Giro 360 é a versão em áudio da coluna homônima do jornal. “O podcast já está no seu terceiro ano e possui um público consolidado. Conseguimos transferir a credibilidade que já existia no ambiente impresso e digital para o sonoro também”, aponta. No mês de julho, um novo projeto foi lançado para dar um passo maior na produção de conteúdo em áudio do POPULAR: o Pra Fechar o Dia, podcast diário que nasceu com a proposta de dar as principais informações do dia, de maneira rápida, no fim do expediente. Os dois produtos têm no comando o jornalista e professor Marcos Carreiro, que assumiu a apresentação do Giro 360 em 2019. “Nossa equipe tem se capacitado cada vez mais e a intenção é continuar crescendo, sempre com o objetivo de levar informação de qualidade às pessoas nos mais variados formatos”, comenta.O que é podcast?A palavra está em todos os cantos, mas nem todo mundo está familiarizado com o assunto. O podcast é um material de áudio em formato digital, que pode abordar diferentes temas e ter durações variadas. É uma espécie de programa de rádio, só que na internet, em que os programas são organizados por episódios. Enquanto alguns episódios contam com poucos minutos, outros podem chegar a horas (e mais horas) de duração. Há podcasts que também entregam os conteúdos em vídeo, que ficam hospedados em plataformas voltadas para tal. Podem ser produzidos em múltiplas linguagens, com presença de convidados ou somente com o(s) apresentador(es) no comando. O limite quem dá é a imaginação da equipe (que pode ser, inclusive, formada por uma pessoa só). Outro ponto legal: existem diversas plataformas de hospedagem de podcast gratuitas, que são as responsáveis por todas as etapas de armazenamento e distribuição das gravações.-Imagem (1.2365760)