Nas mãos, a foto do filho; na bolsa, uma Bíblia, e no corpo apenas uma muda de roupa. É em uma jornada de amor e de fé que uma mãe deixa tudo para trás no interior do Maranhão em busca do seu menino que saiu de casa com o sonho de uma vida melhor para trabalhar em um garimpo na Amazônia e nunca mais deu notícias. Dirigido por Renato Barbieri, o filme Pureza estreia nesta quinta-feira (19) nos cinemas, protagonizado por Dira Paes, que vive uma história real que se passa em 1993 por Pureza Lopes Loyola, hoje com 75 anos. O elenco conta ainda com os atores Flávio Bauraqui e Matheus Abreu.Pureza chega aos cinemas depois de uma temporada de muitas glórias, conquistando 28 prêmios nacionais e internacionais. Filmado em 2018, em locações reais, como Bacabal (MA) e Marabá (PA), o longa estreou no Festival de Brasília em novembro de 2019 e levou os principais prêmios da competição. Depois disso, a obra colecionou troféus em 18 países, como, por exemplo, França, EUA, Itália, China, Cuba, Rússia, Alemanha, Reino Unido, Argentina, Portugal e México. Existe uma grande expectativa que a produção seja escolhida para disputar o Oscar 2023 na categoria de melhor filme internacional.Nascida em Presidente Juscelino, a 85 km de São Luís (MA), Pureza chegou com três filhos a Bacabal, onde o marido tinha parentes. Com o fim do casamento, a sobrevivência passou a depender da olaria na qual trabalhava ombro a ombro com os meninos. Cansado do sofrimento, Antônio Abel decide partir em busca de emprego no garimpo. Depois de um mês sem ligar para casa, a mãe decide seguir seu rastro do Maranhão ao Pará. Pelo caminho, ela viu um sistema perverso, que usava falsas promessas para atrair trabalhadores para o campo. Na jornada, presenciou o drama dos peões, humilhações e assassinatos.Essa mãe batalhou por cerca de três anos para reencontrar seu filho, tornando-se um símbolo moderno no combate ao trabalho escravo. A luta dela para encontrar Abel acabou levando, em 1995, à criação do primeiro grupo especial móvel de fiscalização para fazer cumprir a lei e garantir os direitos trabalhistas em todo o território nacional. Nos últimos dois anos, já foram libertados mais de 57 mil trabalhadores em condições análogas à escravidão. Pelo trabalho, em 1997, Pureza recebeu em Londres o Prêmio Antiescravidão oferecido pela organização não-governamental britânica Anti-Slavery International.A história da maranhense foi conhecida pelo diretor Renato Barbieri, que trabalha há décadas com temas ligados à escravidão, por intermédio do fotógrafo e amigo Hugo Santarém. Foram 11 anos de pesquisa, roteiro, produção e finalização da obra. No elenco, um grupo de trabalhadores que viveu a experiência do cativeiro e integrantes que hoje fiscalizam o trabalho escravo interpretaram a si mesmos. O filme deveria ter estreado nas salas em 2020 depois de passar um ano por mais de 34 festivais pelo Brasil e pelo mundo, mas por conta da pandemia acabou sendo adiado por dois anos.TramaNa adaptação, Pureza mora em uma região pobre do Maranhão com o único filho, Abel, personagem vivido pelo ator Matheus Abreu, no ar como Antônio (Tigrão) na novela das sete Quanto Mais Vida, Melhor!. Descontente com a vida que levam, ele decide deixar o local com a promessa de dar uma vida melhor para a matriarca. Após alguns meses sem mandar notícias, o coração de mãe sente que alguma coisa deu errado e inicia uma jornada incansável para descobrir o seu paradeiro. Nas andanças, ela passa a trabalhar de cozinheira em fazendas e descobre um sistema de cárcere de trabalhadores rurais.Essa mão de obra era recrutada em grandes municípios como Marabá por aliciadores a mando de fazendeiros que ofereciam bons empregos e salários em dia. O transporte era feito por caminhões. Mas, ao chegar ao destino, a realidade era outra. Os trabalhadores eram privados de documentos e de qualquer contato com o mundo exterior, obrigados a se endividar com os empregadores para custear comida, vestuário e até ferramentas de lida. À procura do filho, Pureza passa a trabalhar nesse lugar, testemunhando a violência sofrida pelos empregados, além do desmatamento ilegal de florestas.Após conseguir fugir do cárcere, Pureza decidiu agir e denunciou a situação dos trabalhadores às autoridades federais. Sem credibilidade e lutando contra um sistema forte e perverso, ela retorna à floresta para registrar provas com uma máquina fotográfica, como mostra o trailer do filme. A sua luta foi parar no Congresso, em Brasília, onde ela já tinha deixado de ser apenas a mãe de Abel, e se tornou a de todos que passaram pelo seu caminho. “Eu fui convocada pelo universo para fazer esse personagem. É um convite a assistir à saga de uma heroína abolicionista contemporânea”, disse Dira Paes ao Fantástico.